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30.11.04

O Puritanismo 

George Monbiot escreve aqui uma pequena história do Puritanismo, relacionando-o com a presente situação nos Estados Unidos.

26.11.04

1º Domingo Advento ano A 

As leituras do dia de hoje chamam-nos a uma certa urgência.

Não é uma urgência que deva ter resultados superficiais. Um deles seria, por exemplo, lembrarmo-nos que temos pecados, que devíamos emendar-nos, que podíamos fazer uma data de coisas da nossa vida, e como nada disso mudamos, então vá de dar dinheiro à Igreja ou a uma obra de caridade. Não é que isso seja mau em si, mas seria atirar poeira para os nossos olhos. Outro resultado superficial seria pormo-nos a pensar que o fim do mundo vem aí e deixarmos de viver a nossa vida nessa expectativa. A uns fulanos que faziam isso em Tessalónica há vinte séculos mandou o apóstolo Paulo que trabalhassem e se deixassem de histórias. Outra superficialidade mais subtil seria rezarmos (ao menos aparentemente) muito. «Orai sem cessar» é um conselho de Paulo, que bem reflecte o que Jesus ensinou, mas rezar a sério não é debitar fórmulas, ir a vários actos de culto, entrar em muitas igrejas, persignarmo-nos amiúde. Tudo isso, se não passar de algo formal e exterior, é uma idolatria, mais poeira para os nossos olhos.

Eu diria que essa urgência é algo que nos chama a viver a vida de um modo diferente, como que sabendo que cada dia pode ser o último. A quem não crê em Cristo isto pode parecer bom motivo para ir quanto antes, por exemplo, saltar de pára-quedas (outra coisa que não tem nada de mal em si) ou envolver-se em relações impropriamente ditas amorosas de natureza fugaz (coisa de que se não há-de dizer o mesmo). Quem crê em Cristo sabe que o modo diferente tem uma projecção na eternidade: que é vencer o mundo como Cristo venceu, o que pode parecer estranho porque à primeira vista foi o mundo que venceu Cristo torturando-o até à morte. Mas Jesus é que na verdade venceu os seus carrascos, quer os humanos que o queriam ver morto, quer os carrascos da humanidade que são o pecado, o egoísmo, o egocentrismo, o desespero, a concupiscência, a descrença, a desconfiança, o ódio e a morte.

Trata-se duma urgência que nos convida a viver de modo que se venha a cumprir, na medida em que isso vai sendo possível dados os condicionalismos e as circunstâncias, a profecia de paz da visão de Isaías.

24.11.04

Células estaminais 

Um dos pomos de discórdia em termos de saúde reprodutiva e manipulação genética é a investigação em células estaminais. Há uns tempos, na folha paroquial de Belém, apareceu um pequeno texto com o título "Tudo o que é preciso saber sobre investigação em células estaminais", o que me fez crer, como todos os textos que começam por "Tudo o que é preciso saber sobre..." que eu de facto sabia pouco e precisava de mais informação.

Um documento interessante é o comunicado do Conselho de Laboratórios Associados, sobre uma posição tomada recentemente (Outubro de 2004) pelo governo português na ONU sobre este assunto. O governo português apoiou uma proposta de resolução da Costa Rica que proíbe a "clonagem reprodutiva e investigação terapêutica" com células estaminais.

O assunto não é simples, tem nuances, e aqui tanto os cientistas como as comissões de ética devem ser ouvidos, e tem que se reflectir com ponderação, sem se saltar para conclusões simplistas e imediatas (do género "Tudo o que é preciso saber sobre...").

Aqui ficam os links:


23.11.04

Os Católicos e a Bíblia (2) 

A propósito do contacto dos Católicos com a Bíblia, há uma iniciativa a decorrer, a Bíblia Manuscrita. Ainda não sei que pense disto... O objectivo é promover o contacto com o texto, e esse objectivo parece-me louvável, mas o método é que me suscita dúvidas. Tal como não é dando esmolas na rua aos pobres e sem-abrigo que se combate a pobreza, nem prendendo drogados em más condições que se combate a droga, também não me parece que copiar umas frasesinhas, à laia de aluno da primária, vá melhorar este contacto com a Bíblia. É verdade que há personagens de renome, mesmo não cristãs, a aderir ao projecto, dando de facto à Bíblia uma visibilidade que ela não tem em geral, mas também é verdade que só quem tem essa nomeada é que pode escolher a passagem que mais gosta. É verdade que o contacto com o texto pode despertar interesse ou reflexão, especialmente em quem copia, mas não deixa de ser um contacto esporádico, que me parece não cria raízes.

Enfim, pode ser mais uma contribuição para este contacto com a Bíblia, que é particularmente necessário para os Católicos, mas eu gostaria mais de coisas que apontassem para uma proximidade mais permanente, informada e adulta.

22.11.04

Vem aí o Advento 

Durante esta última semana do ano litúrgico, vai-se já, nas leituras, meditando o tema da escatologia, que faz a ligação com o Advento: preparamo-nos para celebrar a vinda de Jesus na carne, que hoje continua a tornar-se presente no meio de nós, e virá um dia na sua glória de modo mais definitivo.

É curioso que em todo o Ocidente cristão o Advento costumava ter seis semanas, com uma única excepção: Roma, onde, talvez por influência do Oriente, o Advento tinha só quatro semanas (as Igrejas Orientais sempre tiveram um Advento de quatro semanas apenas). Com a imposição do Rito Romano em quase todo o lado no Ocidente é que o Advento minguou para as quatro semanas actuais. Mas onde sobrevivem ritos ocidentais antigos, como em Milão (Rito Ambrosiano) ou Toledo (Rito Moçárabe), já há duas semanas que se está no Advento, a preparar o nascimento do Senhor.

Eu diria que, numa época em que o Natal tem influências consumistas cada vez mais precoces, e perdida que foi a simbologia de cada semana do Advento corresponder a mil anos da história da Humanidade antes de Cristo (só os fundamentalistas continuam a agarrar-se à cronologia bíblica que nos põe a seis mil anos de distância de Adão), talvez fosse bom restaurar as seis semanas de outros tempos.

18.11.04

Cristo Rei 

Hoje é o domingo de Cristo Rei, com o qual termina o ano litúrgico. O Advento começará para a semana, e já vem sendo altura de o preparar, para que, depois das quatro semanas e do Natal, esse Advento tenha trazido algum progresso.

Ora, quanto a Cristo Rei. Antes do mais, chamo a atenção para o habitual comentário dos Dehonianos na Agência Ecclesia. Quanto a mim, gostaria de comentar o contraste entre as noções de realeza das três leituras.

Na primeira, relata-se a chegada ao poder do rei David, uma das figuras mais exaltadas do antigo testamento, um rei que trouxe paz, estabilidade, prosperidade, sabedoria, enfim, felicidade ao povo de Israel. Foi o rei da unidade das doze tribos, unidade que se perderia depois de Salomão.

Na segunda, fala-se da realeza de Cristo de forma transcendente, de uma glória enquanto Filho, segunda pessoa da Trindade, agente criador, cabeça do corpo que é a Igreja, etc. É uma visão cheia de glória e majestade.

No Evangelho, por oposição, Jesus é apresentado na cruz, dialogando com os dois ladrões, um de cada lado, prometendo o seu reino a um deles. Não se pode ter menos o aspecto de um rei: Cristo está seminu, exposto à população, a morrer torturado.

Como se podem unificar as três visões? Julgo que cada uma tem uma parte da verdade contida na realeza de Cristo: a primeira, ilustrando o tipo de promessa que essa realeza traz, a felicidade do reino; a segunda, a magnificência e a eternidade desse reino; e finalmente a terceira, o modo de lá chegar: através da entrega, da doação, da confiança filial no Pai, mesmo no meio de todas as adversidades, da consciência que, debaixo desta capa de mortalidade e degradação, violência e tristeza, existe um Filho e um Rei.

Finalmente: esta condição de Filho (e Rei) é a nossa de cada um. Cada um de nós é centro de felicidade, de glória, de harmonia para os outros, enquanto Rei, sendo que o nosso centro, de onde nascem essas coisas, é a consciência e a condição de Filho.

15.11.04

Os Católicos e a Bíblia (1) 

No Público deste domingo, António Marujo apresenta um artigo sobre um frade espanhol que dedicou a sua vida a publicar e divulgar a Bíblia, "a propósito e a despropósito", como se dizia de são Paulo, unindo assim em si tanto a vertente espiritual como a mais prática. Eis um excerto da notícia:


Entrava muitas vezes nos comboios, com uma sacola às costas cheia de livros. Explicava brevemente ao que ia e depois distribuía edições dos evangelhos que levava consigo. Ia vestido de frade. Muitos dos viajantes achavam a cena estranha - na Igreja Católica, a Bíblia era ainda vista como um livro perigoso para os fiéis - e telefonavam para os franciscanos capuchinhos a confirmar se ele era mesmo frade.

Era mesmo assim: Inácio de Vegas, que fundou, em 1955, o Movimento Bíblico e a Difusora Bíblica (a maior editora do texto sagrado em Portugal) era um "andarilho e contemplativo, hábil em arranjar financiamentos para as edições bíblicas e profundamente pobre, especulativo e prático".


Queria, já agora, chamar a atenção para a pequena frase "na Igreja Católica, a Bíblia era ainda vista como um livro perigoso para os fiéis". De facto, são os Protestantes que, tradicionalmente, conhecem melhor a Bília, a ponto de citarem números e capítulos de versículos de cor. No entanto, não foi esse contacto com um texto grandemente subversivo (basta ver que Jesus foi condenado como "agitador") que os levou a serem mais arejados (pelo menos em geral), gerando mesmo os Puritanos que tiveram a influência que se saba nos Estados Unidos. Em todo o caso, não deixa de ser verdade que, fora destes grupos extremistas, o diálogo quer entre grupos Protestantes, quer com o mundo em geral tem sido mais aberto e moderno que com os Católicos (deste a moral sexual aos métodos de escolha de líderes de comunidades religiosas - a propósito veja-se este texto no jornal "La Croix").

12.11.04

33º Domingo TC (C) 

Na Epístola de hoje Paulo (ou quem escreveu 2 Ts: alguns pensam que foi um discípulo de Paulo e não o próprio) lembra que, embora pudesse argumentar ter o direito de viver à custa daqueles a quem anunciava o Evangelho (noutra passagem interpreta nesse sentido o «não tapes a boca ao boi que debulha» da Lei de Moisés, comparando os evangelizadores a bois e a pregação e a catequese à debulha...), preferiu não o fazer para dar um bom exemplo. Acho que há aqui um paralelo com algo que ele diz em 1 Co acerca da carne sacrificada nos templos pagãos que depois se vendia nos talhos: não há mal nenhum em comer dessa carne, porque os falsos deuses em cuja honra se fez o sacrifício não existem, mas se alguém ficar escandalizado por nos ver a comer dessa comida e achar que estamos a deixar a fé, faremos bem em abster-nos de tal comida.

Hoje em dia esta questão da carne sacrificada nos templos já se não põe. A primeira, de nos abstermos de viver à custa de outros se podemos deixar de o fazer, ainda se põe. Mas acima de tudo o princípio permanece de pensarmos não tanto nos direitos que temos e no que podemos obter dos outros, de modo egocêntrico. Assim fez Jesus, que não considerou a sua natureza divina um roubo, mas se despojou dela e apareceu como homem.

No Evangelho, ele fala-nos do dia que já os profetas anunciaram, o dia do Senhor, em que o seu povo será liberto, mas os que desprezam a sua aliança sofrerão a mesma derrota que os inimigos do povo de Deus. Esse «dia» é muitas vezes chamado «fim do mundo», e os defeitos do «mundo» actual sempre levaram muita gente a desistir dele e a tentar antes esperar o tal «fim do mundo», tendo muitos até caído na falácia de que o julgarem iminente só porque lhes dava jeito. A quantidade de cálculos matemáticos que se fizeram sobre números que vêm na Bíblia, combinando-os e recombinando-os para obter datas para o «fim do mundo», é incrível. E ainda hoje são muitos os que o anunciam para breve: por exemplo, as Testemunhas de Jeová dizem estar próximo (até aqui há uns anos era para ser antes de morrerem as pessoas que estavam vivas em 1914, mas já se deixaram disso que essa geração está quase toda morta e o «mundo» actual ainda cá está; agora dizem à mesma que está próximo mas não se sabe bem quando), e argumentam que desde 1914 tem havido muito mais guerras, fomes, terramotos, crimes, etc., etc.. O argumento não é só deles: outras religiões dizem o mesmo e até ouvi algo de semelhante em homilias católicas. Mas não só é questionável se de facto os nossos dias estão piores (nada de novo sob o sol, lá dizia o Eclesiastes: nós é que achamos que os males do nosso tempo são os piores, porque são estes que estamos a sofrer; os que já foram não nos doem, e os do futuro talvez não venham), como Jesus diz claramente: essas coisas devem acontecer primeiro, mas não será imediatamente o fim. Lá se vão as ideias sobre a data do fim do mundo.

8.11.04

Religião e política 

Eis alguns números relativos ao voto segundo as opções religiosas, nas últimas eleições nos Estados Unidos:

In regard to religion, Kerry overwhelmingly won Jews, "Other religions," and "none" - but Bush won Protestants 58% - 41% and Catholics 51% - 48%. If you attended church weekly you voted for Bush 60% - 40%. If you went only occasionally, you voted for Kerry 53% - 46%. If you never went, you voted for Kerry 65% - 35%. Devout religion has a profoundly reactionary impact in U.S. elections, or at least correlates well with factors that do.

Quem quiser, pode ler mais aqui. A crónica do Frei Bento Domingues desta semana no Público fala também das relações entre religião e poder político nos Estados Unidos.

1ª leitura do 32º Dom. TC (ano C) 

Como complemento ao excelente comentário do Pedro Freitas do Evangelho deste Domingo, eu escrevi também, há já uns anos, um texto sobre a leitura do Antigo Testamento, texto esse que se acha aqui.

3.11.04

A África atinge a maioridade 

Já terminou o primeiro sínodo dos bispos anglicanos de África. O tema era a «maioridade» da África. O sínodo referiu, no seu comunicado final, o problema da teologia importada de um mundo diferente (Europa, América do Norte...) que muitas vezes não «encaixa» com a realidade africana, isto é, não lida com os problemas que sentem os nossos irmãos na fé desse continente com uma intensidade que não supomos: a corrupção, as doenças (como a malária, já erradicada em Portugal há décadas, ou a SIDA, que tão brutalmente atinge a África), as violações de direitos humanos.

E na Igreja Católica, será que a África «atingiu a maioridade»? A pergunta vai mais além de saber se alguma vez teremos um papa africano (os «papáveis» veiculados pela impressa nos últimos tempos incluem não europeus, mas estes são sempre a maioria...). O que é notável é que os africanos em posições importantes da hierarquia católica são pessoas «decalcadas» de modelos europeus... A inculturação avança, felizmente, mas maioridade não sei se já haverá.

Este contexto de diferença cultural não é evidentemente novo. Nos primórdios da Igreja houve enormes tensões entre os cristãos vindos do judaísmo e os vindos do paganismo: o cristianismo «judeu» não dava resposta a tudo o que os pagãos precisavam; a inculturação ao paganismo repugnou nesses tempos a muitos judeus. Basta ler Actos ou Gálatas para se fazer ideia do que então houve. E o padrão foi-se repetindo. Houve há séculos a «questão dos ritos» na China, quando vários missionários defenderam que certos ritos chineses em honra dos antepassados eram admissíveis para cristãos e não representavam idolatria nem culto aos mortos, mas o papa acabou por os proibir aos fiéis chineses. Mais recentemente, uma das reclamações dos teólogos da libertação era que a teologia europeia não respondia às questões suscitadas pelas características sociais da América Latina, e era por isso que era preciso um novo entendimento das questões.

Penso que é neste contexto que se deve enquadrar também a grande dissenção que há hoje entre os anglicanos sobre se a homossexualidade é aceitável ou não (o comunicado condena-a inequivocamente). Afinal de contas, a «correcção política» tão na moda nos EUA pouco diz a um continente onde a fome, a pobreza, a doença e as guerras são o pão nosso de cada dia para tanta gente.

E não será que a Igreja Católica se perde igualmente muitas vezes com minudências enquanto metade do mundo está à beira da fome e da miséria? «Condutores cegos, que coais um mosquito e engolis um camelo!» - Mateus 23, 24

2.11.04

32º domingo TC 

Este domingo lê-se a história, proposta a Jesus, da mulher que casa sucessivamente com sete irmãos, um após outro, segundo a lei do tempo que responsabilizava cada irmão pela viúva do irmão. Perguntam a Jesus quem será o seu marido na ressurreição, pois ela tinha tido sete maridos.

Ora, aqui, Jesus faz a diferença entre esta vida e a vida de ressuscitado, dizendo primeiro que o casamento é uma coisa claramente deste mundo. Este é um tema algo polémico (lembro-me de uma meditação bastante participada que houve no Grupo Novo sobre este assunto), pois o pensamento e a acção católicas, na sua vontade de dar importância aos sacramentos, levam as pessoas a fazer deles mais do que eles são: sinais sensíveis da presença de Deus Pai junto de nós. Nem "passaportes carimbados" para a vida eterna, nem comprimidos de administração simples, outorgando essa vida eterna a quem os tome. Aqui, é Cristo que nos diz que o casamento é coisa mundana e passageira — entenda-se "passageira" no sentido de não prosseguir na vida de ressuscitado.

Mas Cristo afirma mesmo mais: que a vida de ressuscitado não só não é comparável à vida na terra (como o episódio do casamento reflecte), como diz que o Deus seu Pai é um "deus de vivos", citando três mortos famosos, Abraão, Isaac e Jacó, e dizendo que para ele eles estão vivos. Ora, estes três, particularmente, enquanto vivos foram verdadeiramente pessoas vivas, na verdadeira acepção da palavra: Abraão deixando a sua terra em busca de uma promessa, Jacob tendo a personalidade expedita e irreverente que vem descrita no Génesis. É essa vida que se prolonga, na ressureição, e não a vida cultualmente correcta dos saduceus que interrogam Jesus. A vida de risco, de acção, de repouso, de alegria, de fraternidade, de contemplação, essa é a vida que será continuada e plenificada na ressureição — e que, como se vê, começa já aqui.

Para mais reflexões sobre a ressurreição, e o que ela é e não é, veja-se o comentário dos Dehonianos, na Agência Ecclesia

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