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28.2.05

3º domingo da quaresma 

O evangelho deste domingo é sem dúvida uma das mais belas leituras de S João. Tanto as acções como as palavras de Jesus apontam numa só direcção: não traçarás fronteiras entre o que é santo e o que é profano com base em critérios humanos.

Logo no início, ele dirige-se a uma samaritana – uma mulher, e de um povo que não se dava com os Judeus. A mulher não tem nome, ao contrário de outras personagens de S João, e pode por isso ser vista como uma personagem simbólica, representando aqueles que esão de fora do povo dos Judeus, e portanto, fora da promessa. Pede-lhe água, sabendo que essa água será o sinal para a conversa que se segurá, partindo de uma realidade humana para falar de uma realidade espiritual. E no centro do seu discurso, afirma: "vai chegar a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores hão-de adorar o Pai em espírito e verdade", e não necessariamente em Jerusalém, e não necessariamente dentro do judaísmo ortodoxo. Atrevo-me a extrapolar: não necessariamente em Roma, não necessariamente dentro da Igreja Católica.

Cristo afirma assim que a promessa de vida eterna é para todos os que adorem o Pai em espírito e verdade. Para descrever essa promessa, Jesus traça um paralelo entre a água do poço e a sua palavra: "a água que eu lhe der tornar-se-á nele uma nascente que jorra para a vida eterna". A água da vida eterna, da vida que Jesus promete, não é uma água parada, dum poço, é uma fonte que jorra, que se renova permanentemente, que é abundante ao ponto de se poder ir perdendo, sem que deixe de correr sempre, de ser renovar sempre, fresca e revigorante.


O Crepúsculo de um Pontífice — um artigo do Público de domingo passado.


21.2.05

Fátima 

No Público sai hoje uma crónica que fala das contradições dos sucessivos relatos que Lúcia fez acerca das pretensas aparições de Fátima. É bom lembrar que ainda que a Igreja declare que uma revelação particular (como é o caso da de Fátima) é consentânea com a fé cristã, nenhum cristão é obrigado a crer nela, como lembrou o Cardeal Ratzinger quando foi revelado o suposto terceiro segredo, para grande irritação de certos sectores pseudo-católicos ultra-conservadores. Pessoalmente, acho estes relatos de aparições quase tão inconsequentes como os do profeta Joseph Smith, que também foi alterando os seus relatos de visões e revelações divinas com o tempo (vejam-se por exemplo os capítulos 2, 3, 6, 9, 10, 13, 20 e 21 deste livro sobre o assunto) -- e nos quais naturalmente não creio.


18.2.05

2º Domingo da Quaresma, ano A 

Neste Domingo ouvimos o chamamento que Deus dirigiu a Abraão, para deixar a sua terra e se dirigir a uma terra nova. É um convite que nos é feito também a nós, para deixarmos a nossa vida instalada e conhecida e nos arriscarmos em coisas que não sabemos se dão certo: a bondade para os outros, a não-violência, a desistência da vingança, a luta pela justiça, e tantas outras novidades que pode ser que não dêem imediatamente em nada porque, como nos mostram quer a História quer os noticiários, todos os dias há situações em que tais coisas são rejeitadas e falham. Felizmente, por vezes não é assim, e pouco a pouco, muitas vezes lentamente e às vezes com recuos temporários, vai-se construindo o Reino, que cresce -- como dizia Jesus -- qual planta que lentamente emerge da terra sem que o agricultor saiba porquê -- Marcos 4, 26-28. É na verdade o Espírito Santo que faz isto -- 1 Coríntios 3, 6-7; cf. 1 Tessalonicenses 1, 5.

Note-se como Deus chama Abraão antes ainda de ele sair da sua terra. É isso que diz Paulo na Epístola: que ele nos chama a uma vida nova por causa do seu próprio desígnio, não pelas nossas boas obras. Ele chama-nos mesmo que sejamos indignos; aliás, chama-nos porque somos indignos, e por o sermos é que nos chama a uma vida nova. Se ele nos não chamasse, nem haveria vida nova que pudéssemos alcançar, visto que foi «o nosso Salvador Jesus Cristo que destruiu a morte e trouxe a vida e a imortalidade». É pela graça -- não por nós o merecermos -- que somos chamados a essa vida transfigurada à semelhança de Jesus, cujo rosto brilha, como nos diz o Evangelho: e brilhar deve também o nosso rosto para reflectirmos a sua glória ao vivermos conforme ao nosso mestre -- 2 Coríntios 3, 18.


14.2.05

1º domingo da quaresma 

Este domingo lê-se o evangelho das tentações de Cristo. Vale a pena olhar para o texto e ver que tentações escolheu o autor para simbolizar aquelas que terão sido, seguramente, as tentações de toda a vida de Jesus (e não só do tempo que ele passou no deserto), enquanto profeta e messias.

Em primeiro lugar, a tentação de instrumentalizar os dons que Deus Pai lhe deu em seu proveito próprio ilegítimo (transformar as pedras em pães). Cristo negaria assim a sua plena condição humana, (com a fome que lhe advém, e outros dissabores) e tiraria vantagem própria da sua condição divina.

Em segundo lugar, a tentação de um messianismo triunfalista, de obrigar o Pai (a palavra habitual que se ouve é "tentar") a seguir essa lógica de grande espectáculo. E Jesus responde que ninguém manipula Deus, nem o próprio Filho. Não, nem com promessas, nem com nada, Deus não se deixa manipular.

Finalmente, a última tentação: a de, como aparece muitas vezes na literatura europeia, "vender a alma ao diabo". Prostrar-se diante dele, isto é, renegar as crenças, o amor fraterno e filial, tomar o caminho mais curto, "dar um jeito" para mais rapidamente resolver as coisas. E Cristo limita-se a pôr Deus Pai no seu lugar primeiro, dizendo que só a ele é devida adoração — coisas como o amor paternal de Deus, a bondade, a verdade, não podem ser relativizadas.

E repito, como dizia a Irmã Núria Frau (minha professora da Escola de Leigos), se isto das tentações fossem só quarenta dias, assim também eu. Cristo terá tido que lutar constantemente contra estes facilitismos, mesmo ao preço de ser sucessivamente abandonado e morto.


Segundo esta notícia da BBC, a admissão de uso de preservativo na contenção da SIDA (como o menro de dois males) está já a chegar aos níveis mais altos do Vaticano, nomeadamente, ao Cardeal Cottier, um teólogo respeitado por João Paulo II.


8.2.05

Maria, mãe de Jesus 

Soube pelo site da Comunhão Anglicana que está para sair um documento conjunto, católico-anglicano, sobre a bem-aventurada mãe de Deus. Parece que tal documento estava para ser feito desde que o papa Paulo VI se encontrou com o Arcebispo de Cantuária em 1966... O diálogo ecuménico é lento, mas felizmente avança.


4.2.05

5º Domingo do TC (ano A) 

Já nos tempos da Antiga Aliança dizia Deus pelos profetas que o que queria era que cada membro do seu povo partilhasse do seu pão com quem tem fome, acolhesse os oprimidos, vestisse os nus e não virasse as costas ao seu próximo. Era uma revolução religiosa para gente habituada a pensar que Deus ficava contente com sacrifícios de animais, rezas regulares pré-programadas, participação em festas religiosas e ritos como a circuncisão. Mas já então dizia Deus que queria era a circuncisão do coração, não da carne - Deuteronómio 10, 16; Jeremias 4, 4.

E não teremos nós muitas vezes uma mentalidade vetero-testamentária anterior até aos profetas? Não pensaremos que ser cristão é ir a missa, rezar uns pai-nossos, comungar, tomar água benta? E para quem é beato, confessar-se, fazer jejum, receber as cinzas quarta que vem? (*)

Mas Jesus chama-nos a ser luz para os outros e isso é coisa que não podemos fazer se nos encerrarmos dentro do alqueire que são os edifícios eclesiásticos, as estruturas religiosas e os ritos externos. Ou será que mais vale que nos cubramos com tal alqueire porque, no candeeiro, não iluminaríamos mesmo nada?

(*) Claro que os discípulos de Jesus devem ler a Bíblia onde se acham as palavras do seu mestre, rezar ao nosso Pai celeste, reunir-se para se encorajarem mutuamente - Hebreus 10, 25. Mas não é isso que nos mostra se somos discípulos de Jesus ou não - Mateus 7, 22-23.


The rapture 

Este é o nome que certos americanos dão à segunda vinda de Cristo. O que é assustador é a maneira como acham que essa vinda pode ser apressada: ajudando Israel a estabelecer-se na terra santa, promovendo a guerra no médio oriente e desrespeitando completamente o ambiente. Não acreditam? Até já há um rapture index, uma espécie de Dow Jones do fim do mundo, que em se aproximando de 145 mostra que o fim do mundo está próximo (vejam o fundo da página para mais explicações).

Bem, passando agora a um mundo de maior bom senso, veja-se este artigo de Bill Moyers, antigo jornalista da televisão pública americana, There is no tomorrow, sobre a vastidão e a influência de crenças como estas nos Estados Unidos.


4º domingo TC 

A leitura de domingo passado foi a das bem-aventuranças. Se há leitura que um cristão deva saber onde está, é esta: Mt 5, 1-12, dentro do sermão da montanha, Mt 5, 6 e 7. Este é o verdadeiro resumo da Lei de Cristo, os novos dez mandamentos — e não é por acaso que Mateus coloca o discurso no cimo de uma montanha, tal como os mandamentos foram dados ao Povo no monte Sinai.

Podem (e devem) fazer-se inúmeros comentários, inúmeras e profundas reflexões sobre esta lei. Ao contrário dos mandamentos, que são leis negativas, colocando limites legítimos à acção humana (não matar, não roubar, não cometer adultério, etc), estas são positivas, e exaltam não a comportamentos concretos, mas a atitudes profundas — ser pobre em espírito, manso, misericordioso — ou mesmo certas condições de vida — ter fome e sede de justiça ou chorar. Estes ensinamentos são, naturalmente, mais difíceis de pôr numa tabela de coisas a fazer, ou a não fazer, mas é assim a lei de Cristo: mais profunda que os comportamentos e pensamentos avulsos, envolvendo toda a pessoa, naquilo que os teólogos do sec XX chamaram a opção fundamental — a atitude de fundo da pessoa, para além dos seus pecados pontuais.

Cristo exalta os pobres em espírito, os que choram, os mansos, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os puros de coração, os fazedores da paz, e, finalmente, os perseguidos por causa da justiça, isto é, os que pondo estes ensinamentos em prática são perseguidos por aqueles que não desejam que estas atitudes sejam demasiado postas em evidência. E, em cada caso, Jesus põe em evidência que estas atitudes levarão à satisfação dos bens pretendidos, ainda que não especifique quando. Pode ver-se isto como uma promessa a ser realizada no Reino dos Céus (seja depois da morte individual do fiel, ou depois da segunda vinda), seja mesmo aqui na terra, ao cabo de muitas e perseverantes lutas, mostrando que essas lutas, travadas na arena das conquistas humanas, lentas e persistentes, são na verdade a vontade de Deus, se conduzirem à justiça e à paz.


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