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21.10.05

30º Domingo Comum, ano A 

O Evangelho de hoje é belíssimo, mas apesar disso comento antes a primeira leitura, trancrevendo aliás um texto que escrevi em 2001:

Há pessoas que são perseguidas (...) pela sua raça ou pela sua nacionalidade. Ora, como disse o apóstolo Pedro, "Deus não faz discriminações, mas aceita todos os que o temem e fazem o que é justo, seja de que raça forem" (Actos 10, 34-35). Porém, hoje em dia vemos que não é assim que a maior parte das pessoas pensa.

O nosso país já foi um país de emigração. Logo no século 19 houve muitos portugueses que emigraram para o Brasil e para outros países da América do Sul. Mais recentemente, nos anos 60 e 70 do século passado, sobretudo, houve muitos portugueses que deixaram o país e foram trabalhar para o estrangeiro, sobretudo para a França, a Alemanha e outros países do centro da Europa. A vida não foi fácil para muitos deles. (...) Muitos não falavam a língua do país para onde iam, uma grande parte ia como imigrante ilegal (...), e imensa gente viveu em bairros de lata e teve empregos muito duros. (...)

Hoje em dia Portugal já é um país mais desenvolvido e já não há tantos emigrantes a deixar o país como dantes. Mas exactamente por sermos um país mais rico, há pessoas de países pobres que vêm tentar em Portugal aquilo que tantos portugueses tentaram e mesmo ainda hoje tentam no estrangeiro.

E é espantoso como um país como o nosso, que devia saber por experiência própria as dificuldades da emigração, agora repele os imigrantes que vêm tentar a sua sorte junto de nós, muitas vezes levando a cabo trabalhos para os quais não há pessoas suficientes em Portugal. ((...) Muitas vezes ouve-se dizer que os estrangeiros tiram trabalho aos europeus, mas o certo é que como regra geral os trabalhos em que se empregam são trabalhos para os quais não haveria trabalhadores suficientes cá. (...))

É evidente que é preciso que haja na Europa uma política de imigração razoável e bem pensada, e que infelizmente o mundo ainda não é capaz de suportar a abolição das fronteiras para que toda a humanidade seja um só povo, como é prefigurado em tantos passos do Antigo Testamento (como, por exemplo, Isaías 2, 1-4; Isaías 65, 17-25; Miqueias 4, 1-4; Salmo 87). E é claro que o que é que é mesmo uma política de imigração razoável é muito discutível! Mas a nossa atitude não pode ser a de desprezo nem de opressão. Quantos e quantos estrangeiros não vivem entre nós numa situação de quase escravatura, quando pelo contrário Deus mandou aos israelitas: "Não oprimam os estrangeiros que vivem na vossa terra: tratem-nos como tratariam um israelita, e amem-nos como se amariam a vocês mesmos. Lembrem-se de que também já foram estrangeiros na terra do Egipto. Eu sou o Senhor vosso Deus." (Levítico 19, 33-34) Quantos e quantos estrangeiros não são discriminados, quando pelo contrário Deus mandou aos Israelitas: "As mesmas regras hão-de sempre aplicar-se a vocês e aos estrangeiros que vivem entre vocês para sempre. Aos olhos do Senhor quer vocês quer eles são iguais: as mesmas leis e regulamentos aplicam-se quer a vocês quer a eles." (Números 15, 15-16) Quantos estrangeiros não são tratados injustamente como seres inferiores, quando pelo contrário Deus mandou aos Israelitas: "O Senhor assegura-se de que os órfãos e as viúvas são tratados com justiça, e ama os estrangeiros e dá-lhes comida e roupas. Por isso, amem os estrangeiros, porque também vocês já foram estrangeiros no Egipto." (Deuteronómio 10, 18-19) Quantos e quantos estrangeiros não vivem entre nós sem qualquer segurança social, quando pelo contrário Deus mandou aos israelitas: "Quanto fizeres as colheiras e te esqueceres dalgum molho de espigas que ceifaste, não voltes a buscá-lo; deves deixá-lo para os estrangeiros, os órfãos e as viúvas, para que o Senhor teu Deus te abençoe em tudo o que tu fazes. Quando colheres as azeitonas, não voltes para rebuscar as oliveiras; deves deixar o rebusco para os estrangeiros, os órfãos e as viúvas. Quando fizeres as vindimas, não voltes a rebuscar as videiras; as uvas que ficarem são para os estrangeiros, os órfãos e as viúvas." (Deuteronómio 24, 19-21)

Vemos assim que para Deus os estrangeiros, os pobres, os órfãos, as viúvas e em geral as pessoas com dificuldades são iguais aos olhos de Deus, que "ama todos os seres vivos" (Sabedoria 11, 26). Mas a humanidade é muitas vezes igual a si mesma, e de entre os israelitas houve quem deixasse de ligar a essas instruções: "Eles esmagam o teu povo, Senhor, e oprimem aqueles que são teus. Matam as viúvas e os órfãos, e assassinam os estrangeiros que vivem na nossa terra." (Salmo 94, 5-6) Por isso os profetas denunciaram essas injustiças muitas vezes. "Deixem de explorar os estrangeiros, os órfãos e as viúvas." (Jeremias 7, 6; 22, 3) "Os ricos enganam e roubam; maltratam os pobres e oprimem os estrangeiros." (Ezequiel 22, 29) "Não oprimam as viúvas, os órfãos, os estrangeiros que vivem convosco ou quaisquer outras pessoas que passem necessidades, e não façam planos para se destruírem uns aos outros." (Zacarias 7, 10) "Isto diz o Senhor Deus: Eu vou aparecer entre vocês para julgar, e vou testumunhar imediatamente contra os feiticeiros, os adúlteros, os que prestam testemunhos falsos, os que roubam os empregados dos seus salários, e os que exploram as viúvas, os órfãos e os estrangeiros: contra todos os que não me respeitam." (Malaquias 3, 5)

A nossa atitude para com os estrangeiros e as pessoas doutras raças conta mais do que podemos imaginar. Não façamos perseguições nem discriminações. Lembremo-nos do que disse Jesus: "Sejam filhos do vosso Pai que está nos céus. Ele faz brilhar o sol para os maus e para os bons, e faz cair a chuva para os maus e para os bons." (Mateus 5, 45) Também o apóstolo Paulo explicou por várias vezes que Deus não faz discriminações e portanto nós também não devemos fazer: "não há diferença entre judeus e gentios; Deus é o mesmo" (Romanos 10, 12); "não há diferença entre judeus e gentios, entre escravos e pessoas livres, entre homens e mulheres: vocês todos são um só em união com Jesus Cristo" (Gálatas 3, 28). Não há melhor afirmação de igualdade do que esta: "já não há distinções entre gentios e judeus, circuncidados e incircunsisos, bárbaros, selvagens, escravos e pessoas livres, mas Cristo é tudo: Cristo está em todos" (Colossenses 3, 11).

Sigamos o conselho do nosso mestre: "sejam perfeitos tal como o vosso Pai dos céus é perfeito" (Mateus 5, 45.48).

19.10.05

Um artigo do Diário de Notícias sobre o papa.

14.10.05

Domingo 29 do T. Comum, ano A 

No Evangelho de hoje, Jesus desembaraça-se magistralmente dos que queriam dar-lhe cabo da reputação: dizer que não se pagassem impostos aos romanos era arranjar problemas com eles e ir no mínimo parar à prisão; dizer que se pagassem era perder apoios entre os muitos israelitas que detestavam o domínio romano como uma abominação aos olhos de Deus, e viam a colaboração com eles como apostasia.

Mas acho que Jesus não era pessoa para dar apenas uma resposta de circunstância, como um político à procura duns minutos num telejornal. Acho que a sua coerência e amor à verdade fazem com que a resposta seja honesta e profunda. E que portanto é verdade que devemos dar a Deus o que é de Deus, e a César o que é de César. O Império Romano foi-se, mas há outras autoridades seculares a quem devemos dar o que lhes pertence. E isto não como quem dá uma coisa menor. Dar a Deus e a César não são coisas assim tão distintas: é isto que diz o apóstolo Paulo em Romanos 12. (Essa passagem não se lê hoje na Epístola, porque a Espístola é uma leitura contínua do Novo Testamento, e hoje calha ler-se o belo começo de 1 Tessalonicenses; são até as primeiras palavras do Novo Testamento postas por escrito. Mas se a Epístola se escolhesse pela sua relação com o Evangelho seria decerto Romanos 12 o texto escolhido.) Obedecer às autoridades é coisa própria de um cristão porque elas foram estabelecidas por Deus. Claro que isto não pode querer dizer que cada autoridade, em concreto, o foi, ou que as decisões das autoridades são necessariamente correctas. Há inúmeros contra-exemplos no mundo actual que mostram que não é assim. Mas a existência de autoridades seculares é algo de bom em si mesmo; muitos defendem uma (pseudo-)teocracia, com uma autoridade pretensamente cristã a ditar à sociedade a sua visão do mundo, mas isso não só atentaria contra os direitos de quem não é cristão (e a liberdade religiosa é de instituição divina, como ensinou o último concícilo), como seria uma blasfémia, porque então haveria pessoas humanas a arrogar-se prerrogativas e autoridade divinas. A existência de um estado secular e laico é assim algo de bom em si mesmo, ainda que um tal estado possa corromper-se por vários motivos.

Mas se essa possível corrupção pode fazer com que seja por vezes lícito participar até em revoluções, é preciso ter cuidado com o que se decide nessa área. Alguns têm defendido que é lícito deixar de pagar impostos se estes servirem para financiar coisas imorais como abortos em hospitais públicos. Isso é obviamente falso: o apóstolo Paulo diz: «Paguem a todos o que é devido: os impostos a quem são devidos impostos, taxas a quem são devidas taxas...» (Romanos 13, 7), e nesse tempo havia dinheiro de impostos que servia para financiar cultos idolátricos em templos pagãos e até para reprimir e perseguir comunidades cristãs, coisas tão más ou piores que o homicídio pré-natal.

C. S. Lewis 

Já aqui mencionei um livro deste autor britânico: The Screwtape letters, uma colecção de cartas escritas por um demónio (chamado Screwtape) ao seu sobrinho (um jovem demónio chamado Wormwood), com conselhos sobre como tentar e levar à perdição um certo paciente. É um livro que se lê muito bem, e que faz pensar muito; ao lê-lo, dei-me conta que muitas vezes cedo às tentações lá mencionadas, e em que nunca tinha sequer pensado.

Agora comprei mais dois livros. Um chama-se Mere Christianity e é um conjunto de conversas radiofónicas (nos anos 40 ainda não havia televisão e havia programas interessantes na rádio) sobre o cristianismo---não sobre uma denominzação particular, mas sobre aquilo em que a generalidade dos cristãos crê (daí o nome do livro). É uma exposição muito bela e tocante. O outro chama-se Letters to Malcolm, chiefly on Prayer e é um conjunto de cartas a um tal Malcolm em que se abordam várias questões sobre a oração. Nunca tinha lido um livro tão bom sobre a oração.

E ele escreveu ainda muitos mais, que infelizmente não tenho. Além de livros sobre o cristianismo, escreveu livros de ficção científica (um chama-se Out of the Silent Planet, e há uma música dos Iron Maiden com o mesmo nome baseada no tal livro) e uma série de aventuras fantásticas: The Chronicles of Narnia (parece que andam a fazer um filme), que já compulsei, e me pareceram algo semelhantes ao The Hobbit (afinal de contas, o Lewis e o Tolkien conheciam-se), antes da degeneração obcecada que conduziu ao (a meu ver) muito inferior The Lord of the Rings.

Procurando na Amazon ou noutro sítio equivalente acham-se mais informações sobre os livros deste autor.

7.10.05

Domingo 28 do T.C., ano A 

A parábola que Jesus conta este Domingo relata um acontecimento inesperado: uma festa à qual ninguém quer ir! Pensando bem, há festas, neste mundo, a que ninguém quer ir. Mas isso é normalmente porque há alguma coisa de errado com a festa.

Pelo que Jesus conta vemos que no caso do banquete de Deus há algo de errado mas é com os convidados. Que alguns espanquem e matem os emissários, e sejam castigados, é reminiscência da parábola dos vinhateiros da semana passada. Lucas também narra esta parábola, mas nela todos se desculpam civilizadamente, sem violência de parte a parte; os pormenores relativos a matar os enviados e da destruição subsequente acham-se, em Lucas, só na parábola dos maus vinhateiros; são até provavelmente indício de que a destruição de Jerusalém já tinha ocorrido. E nesse acontecimento viu-se uma consequência de Jesus ter sido rejeitado como Messias.

A parábola tem muito que nos diga. Também nós, ao ouvirmos o convite que o Pai nos faz através do seu Filho, podemos achar que temos imensas coisas mais interessantes para fazer. Mencionam-se alguns que tinham comprado um campo novo, ou se tinham casado há pouco tempo, ou arranjado mais uma junta de bois... Também podiam ter comprado um carro novo, estar a trabalhar todos os dias até muito tarde, terem muitas preocupações com o emprego, ou problemas na família. Algumas dessas ocupações serão legítimas, outras sê-lo-ão menos. Mas nenhuma delas pode substituir uma resposta ao enviado de Deus aos nossos corações, o Espírito Santo. De facto, sempre os cristãos creram que nós podemos expulsar o Espírito Santo da nossa alma! É o que fizeram aqueles que mandaram passear o emissário nesta parábola. Uns com mais violência, outros mais educamente: mas em qualquer caso perderam a festa da vida deles.

Claro que as ocupações alternativas menos legítimas serão de abandonar. As outras, nem por isso. Mas a verdade é que o que importa é não deixarmos passar a oportunidade que temos agora, o convite que recebemos diariamente, só por andarmos distraídos com muita coisa, por boa que seja.

Na Califórnia 

existem, como pude verificar, duas ou três igrejas por quarteirão em muitos sítios. Isso sucede em várias zonas de Long Beach, onde estive. Claro que o que vai variando são as denominações. A oferta é variada e isso comprova-se também pelas Páginas Amarelas, que têm várias secções destinadas a vários ramos do cristianismo (e não só).

Pude também comprovar que é importante que haja nas igrejas missais para facilitar a vida a quem não sabe acompanhar a missa. Se há língua estrangeira que eu sei é o inglês, e contudo não consegui participar decentemente na missa vespertina a que fui porque não sei decor o Credo, nem o Glória, nem mesmo todo o Pai nosso em inglês. Foi bastante frustrante. A comunidade parecia muito simpática, mas também não ajudou o facto de o padre não falar nada bem inglês e ter feito uma homilia de menos de três minutos em que não percebi mais de metade do que ele disse.

Remediei o problema indo no Domingo a uma igreja anglicana (aliás, episcopal), onde sabia que haveria exemplares do Book of Common Prayer à disposição. E tive a alegria de poder responder activamente e de ouvir uma excelente homilia sobre as leituras (que eram exactamente as mesmas da liturgia romana; os anglicanos americanos, aliás, episcopais, são quase todos da «high-church»).

Esta última igreja anunciava que todos eram bem-vindos, incluindo visitantes e aqueles que se encontrassem «shopping for a church»... Voltando ao assunto da variedade, suponho que uma tal profusão denominacional favoreça esse género de atitudes. Claro que se eu fosse viver para lá, compraria eu um missal romano e não me converteria à Igreja Episcopal! Mas há quem faça isso, e tal deve ser um incentivo para termos um cuidado especial no acolhimento nas igrejas, senão há pessoas que se afastam por causa de motivos triviais e evitáveis, como a má disposição de quem recolhe as contribuições, a má dicção de quem lê, os cânticos que se não conseguem cantar... Veja-se a respeito do acolhimento Tiago 2, 1-7.

E finalmente algo que não tem directamente a ver com religião. Cá, nas listas telefónicas, há, na lombada, nas contra-capa, nas guardas, anúncios a canalizadores, serralheiros, electricistas... Lá na Califórnia é tudo anúncios a advogados. Em inglês e em espanhol. E também os há nos autocarros. Pareceu-me uma sociedade muito litigiosa e algo violenta.

Artigo sobre o aborto 

no Diário de Notícias de hoje, aqui e aqui. O autor não adopta um ponto de vista cristão, e é claramente da opinião de que o aborto é lícito em muitos casos. Mesmo assim discorda do processo em curso de liberalização. Sem que concorde com muito do que diz, parece-me tratar-se duma reflexão válida sobre um problema de grande actualidade.

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