<$BlogRSDUrl$>

26.5.05

Domingo IX T. Comum, ano A (revisto e aumentado) 

O versiculo do Aleluia de hoje diz-nos que se somos varas unidas a videira que é Cristo. Trata-se de uma ligação directa ao Filho de Deus, que é o caminho para chegar ao Pai. Nenhum de nós precisa de estar unido a uma vergôntea que depois se une a um ramo que depois se une a Cristo. Não: ele afirmou que, se ficarmos unidos a ele, daremos fruto. Este dar fruto é algo de importante: não adianta limitarmo-nos a invocar o seu nome, dizendo: Senhor, Senhor; porque se não dermos fruto então é porque não estamos unidos a ele.

E que fruto é esse? Durante a sua vida Jesus expulsou muitos demónios e curou muitos enfermos; a sua actividade como taumaturgo está bem documentada nos evangelhos. Nós hoje temos também muitos demónios a expulsar: demónios como o ódio, o rancor, a vingança, o egoísmo, o achar que tudo é relativo ou que a verdade é algo subjectivo, a preocupação excessiva com o que é momentâneo e transitório, o desespero, o desprezo pelas outras pessoas com que convivemos, e tantas outras coisas que são resultado não da vontade de Deus mas que antes se lhe opõem. Os exorcismos sobre os catecúmenos fazem estas súplicas a Deus: pedem que seja deles afastado o espírito da malícia, do ódio, da vingança, etc., etc., e que em vez disso desça sobre eles o Espírito Santo. Boas súplicas são para os baptizados também.

Mas devemos ter cuidado com outra coisa. Sendo discípulos de Cristo, espera-se que demos fruto; mas não basta também dar fruto, expulsando demónios (estes ou outros), para se ser cristão; Jesus também diz que hão-de aparecer fulanos a dizer: também expulsámos demónios em teu nome; mas que ele os não reconhecerá. Isto porque ser cristão também não é deixar-se meramente envolver num grande conjunto de actividades, como que por obrigação, ou para «acalmar a consciência». Deus não nos ama e salva porque nós somos bons e fazemos coisas boas. Se assim fosse, a Lei de Moisés, que mandava fazer boas obras, teria bastado para a salvação dos judeus; mas na segunda leitura ouvimos que a justiça de Deus se manifestou independentemente da Lei, e vem pela fé em Jesus Cristo. Há o risco de termos uma abordagem legalista do cristianismo, e acharmos que ser cristão é cumprir uma série de regras, e fazer uma série de coisas. O papa João Paulo II dizia que ser cristão não é nada disso. Cito decor, e espero não ser infiel à ideia: «ser cristão não é, antes de mais, cumprir uma série de regras e preceitos; é saber-se amado por Deus, que é nosso Pai».

Duarte Valério

13.5.05

Pentecostes, Ascensão e Páscoa 

O Pentecostes e a Ascensão são parte da Páscoa. Esta última, sabe-se quando foi, ou, melhor, quando começou: a partir do Domingo subsequente à morte de Jesus, vários discípulos, homens e mulheres, aperceberam-se de que Jesus, tendo efectivamente morrido (desceu à mansão dos mortos: assim dizemos nós no credo dos apóstolos), tinha agora uma vida nova, de ressuscitado, não no sentido de ter voltado a uma vida terrena, frágil, finita e temporária, mas no sentido de ter uma vida nova à direita do Pai, vida essa sobre a qual a morte não tem já poder, como viria depois a explicar o apóstolo Paulo. E durante muitos dias Jesus se manifestou aos que criam nele com muitas provas, para usar as palavras de que se serve o autor dos Actos, de que a sua morte não tinha sido o seu fim, e de que tinha sido afinal o caminho para entrar na glória, na presença do seu Deus e nosso Deus, seu Pai e nosso Pai, como João relata que ele se manifestou a Maria.

Essas manifestações fora do comum da ressurreição terminaram algum tempo depois. Nos Actos tal a última aparição sensível, por assim dizer, de Jesus ressuscitado é narrada quarenta dias depois da Páscoa, e Jesus é oculto nos céus (morada de Deus) por uma nuvem (símbolo da presença de Deus na narrativa do Êxodo, no Antigo Testamento), assim se significando, por outras palavras, o estar sentado à direita do Pai que Estêvão haveria de ver num êxtase quando foi julgado pelo Sinédrio. Os quarenta dias serão decerto simbólicos; Jesus também se preparou quarenta dias para a sua missão (quarenta anos havia o povo de Israel passado no deserto, como castigo por não ter querido entrar na terra prometida por Deus, que tinha sido explorada durante quarenta dias por espiões), e, finda esta, durante quarenta dias preparou os seus discípulos. Aliás, a conclusão do Evangelho de Lucas (que se leu o ano passado) até podia fazer crer que a Ascensão fora no mesmo dia que a Páscoa; nenhum outro evangelista conclui as aparições de Jesus com uma Ascensão; durante os primeiros séculos não se celebrava liturgicamente nenhuma Ascensão à direita do Pai distinta da Páscoa.

Com o Pentecostes sucede algo semelhante: João narra a descida do Espírito Santo no próprio Domingo de Páscoa. Foi com a glorificação de Jesus que o Espírito foi derramado, e já ao expirar na cruz Cristo o entregou -- João 19, 30. Mas parece que no dia de Pentecostes o Espírito Santo de tal modo moveu a Igreja que se deu testemunho de Jesus a muitos que estavam em Jerusalém para a festa. A acção do Espírito Santo manifesta-se por fim nisto que os Actos narram, a concluir o relato desse dia: «Prestavam atenção ao ensino dos Apóstolos e estavam unidos na fracção do pão e na oração. Todas as almas estavam cheias de temor, e os Apóstolos operavam maravilhas e sinais. E todos os que abraçavam a fé se mantinham em união, e tinham tudo em comum, e vendiam bens e propriedades para repartir por todos conforme as necessidades. E dia a dia, indo regular e concordemente ao Templo e tomando o pão partido em suas casas, tomavam o alimento com alegria e coração sincero, dando graças a Deus e sendo aprovados por todo o povo. E cada dia o Senhor aumentava o nome dos que tinham a salvação.» -- Actos 2, 42-47

11.5.05

Ascensão do Senhor 

Na homilia da missa onde fui, o padre fez a seguinte interpretação da ascensão: primeiro, disse que ao ascender ao céu, Cristo tinha levado a nossa própria humanidade para junto de Deus, depois, que com essa ascensão, o céu e a terra tinham ficado mais próximos, e finalmente, que cada um de nós podia actualizar essa proximidade através de pequenos gestos de generosidade, de atenção, de amor.

Isto pode parecer uma homilia bem feita, mas na verdade é demasiado simplificada. Pode ser adequada para quem ache que o povo de Deus não percebe filosofias complicadas, e precisa é de catequeses que lhes induzam comportamentos eticamente elevados — e ninguém pode duvidar que o último conselho da sequência de pensamentos da homilia é piedoso e bem intencionado.

Mas que tel ele a ver com Cristo, que morreu e ressuscitou para nos salvar? Não poderia eu bem aconselhar qualquer amigo meu, cristão ou não — religoso ou não, em boa verdade — a ter estes pequenos gestos sem ser necessária qualquer referência à ressurreição ou à ascensão?

Isto porque, de facto, a ascensão é muito mais que um pano de fundo simpático e engraçadinho, para servir de justificação a pequenos gestos piedosos ou caridosos. Como o padre começou por dizer, a ascensão (que não é mais que uma faceta da ressurreição) é a inscrição da natureza humana junto do Pai. É porque Cristo voltou para junto do Pai que a nossa natureza humana já não é só humana, tem um significado maior, que a nossa vida tem um sentido para além do horizonte terreno.

E acrescento outra interpretação: a ascensão é a última aparição de Jesus de Nazaré aos discípulos, a seguir a isto, vem o Espírito Santo no Pentecostes. Agora, amigos, Jesus foi-se mesmo embora, e somos nós os portadores do Espírito. Agora, somos filhos em plenitude. Agora, compete-nos a nós ser aquilo que Cristo foi quando cá esteve: filhos de Deus encarnados, com toda a carga de autonomia, criatividade, capacidade de julgar, autodeterminação que essa condição traz.

2.5.05

6º Domingo da Páscoa (ano A) 

No Evangelho de hoje ouvimos: «Pedirei ao Pai, e ele enviar-vos-á outro advogado para estar sempre convosco, o Espírito de Verdade, que o mundo não pode aceitar, porque nem o vê nem o conhece.» João tem várias passagens deste género. Não julgo que neguem outras passagens da Bíblia onde lemos que o Espírito de Deus actua em todo o universo. Por exemplo, nos Salmos (104, 30): «envias o teu Espírito, e [as criaturas] são recriadas, e renovas a face da terra»; e mesmo em João (3, 8): «o Espírito sopra onde quer (...) assim também é todo aquele que nasce do Espírito». Na verdade, Deus não se acha limitado no seu poder e «sopra onde quer».

Mas estas passagens também anulam as outras. O mundo não reflecte todo a vontade divina. Nem tudo é como Deus quer. Há muitas coisas que se afastam do plano de Deus. E erraríamos se pensássemos que tudo o que vemos é obra de Deus no sentido de tudo estar conforme à vontade dele.

Para que isso venha a acontecer temos de escutar as palavras de Jesus como fizeram os Samaritanos da primeira leitura e receber então o Espírito Santo. Poderemos então imitar Filipe. As multidões ouviam-no pelo que ele dizia e pelas coisas que ele fazia. Nós também podemos, recebendo o Espírito Santo, anunciar Jesus de ambos esses modos.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?