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24.11.03

Conferência 

O teólogo espanhol Juan José Tamayo vai estar em Lisboa este fim-de-semana, para fazer uma palestra, intitulada O Futuro da Igreja Católica — Perspectivas e Expectativas.

Juan José Tamayo nasceu em 1946, e foi sucessivamente licenciado em teologia pela Univ. Pontifícia de Comillas em 1971, doutor em teologia pela Univ. Pontifícia de Salamanca em 1976, licenciado (1983) e doutorado em filosofia e letras pela Univ. Autónoma de Madrid (1990). Foi professor em várias faculdades de teologia e é actualmente professor catedrático de teologia e ciências da religião da Univ. Carlos III de Madrid, entre outras actividades docentes. É fundador e actual Secretário Geral da Associação Espanhola de Teólogos e Teólogas João XXIII. A sua reflexão teológica situa-se na linha da teologia política europeia e da teologia latino-americana de libertação. É autor de um grande número de livros, individualmente e em colaboração. É articulista regular do jornal El País. Tem em preparação um novo dicionário de teologia.

Deixo aqui uma notícia recente no Yahoo! España, em que ele exprime a sua opinião sobre a Igreja Católica de hoje. Para quem queira um texto mais longo, leia-se uma resposta sua a um documento da Comissão para a Doutrina da Fé acerca do seu livro Dios y Jesús. El Horizonte Religioso De Jesús de Nazaret. Este documento, chamado "Aclaração Doutrinal" pela dita Comissão, afirma que o que ele faz no livro não é teologia, descreditando o seu método, e acusam-no de arianismo. Chegam ao ponto de mudar uma palavra de uma frase do livro para que ela diga o contrário do que está escrito (v. ponto 10 b da resposta à Aclaração).

A palestra será no dia 29 de Novembro, sábado, pelas 17 horas, no Centro Nacional de Cultura, Galeria Fernando Pessoa, Largo do Picadeiro ao Chiado, 10, 1° (Metro: Baixa-Chiado), seguida de um debate moderado por Guilherme d'Oliveira Martins.

Aparições de Fátima 

Surgiu um livro que tenta compreender as aparições de Fátima, de uma forma pluridisciplinar, envolvendo não só elementos religiosos, como antropológicos, médicos e até relativos à física. O estudo foi divulgado hoje no Porto, deixo aqui a notícia do Público, com uma citação: «Os cientistas começam assim a acreditar que existe uma série de estímulos múltiplos exteriores ao beneficiário da aparição, "mas a chave da sua interpretação está no interior da própria pessoa"». Não deixa de ser verdade que um católico nunca teve uma aparição de Buda...

20.11.03

Domingo 35 do tempo comum - Cristo Rei 

1a Leitura - Dan 7,13-14
Contemplava eu as visões da noite,
quando, sobre as nuvens do céu,
veio alguém semelhante a um filho do homem.
Dirigiu-se para o Ancião venerável
e conduziram-no à sua presença.
Foi-lhe entregue o poder, a honra e a realeza,
e todos os povos e nações o serviram.
O seu poder é eterno, não passará jamais,
e o seu reino não será destruído.


Este é o domingo de Cristo Rei, e eu optei por fazer uma reflexão sobre esta realeza, no que ela tem de contraditório, entre o "antes" e o "depois" da ressurreição. O texto de Daniel, acima, que é a primeira leitura, apresenta uma visão gloriosa que pode ser vista como uma antevisão de Cristo voltando para junto do Pai, sendo por este glorificado - é o "depois". E esta glória vem de ter sido sempre fiel ao amor que o Pai lhe tinha, e à sua vontade que todas as pessoas encontrem a vida. Essa fidelidade ao amor paternal (a ele, Cristo, e a todas as pessoas) trouxe a Cristo vários dissabores, mas depois de ter enfrentado tudo, até a morte vergonhosa que nós, pessoas humanas, lhe impusemos, trouxe-lhe também a glória da companhia do Pai. O texto acima mostra exactamente esse "outro lado": a glorificação, que, nas palavras de São Paulo, não tem comparação com os sofrimentos do tempo presente.

A parte do "antes" aparece no evangelho, quando Jesus Cristo, despido, açoitado e humilhado, aparece perante Pilatos como rei. É o próprio Cristo que esclarece, como se a imagem não fosse, só por si, evidente: "O meu reino não é deste mundo", não é como os reinos temporais, não tem palácios sumptuosos, nem governantes que imponham aos outros a sua lei — ou pelo menos não é suposto ser assim. E esta palavra de Cristo pode, claramente, ser vista como uma crítica à Igreja que temos hoje, tanto como o foi às estruturas religiosas do judaísmo do seu tempo. Vão, por exemplo, à missa aos Jerónimos, e digam se se está ou não num palácio sumptuoso.

19.11.03

Recordações de Paris, 6 

As tentações de Santo Antão. Santo Antão foi um famoso eremita dos séculos III e IV — podem ver um resumo da sua vida aqui; julgo que se terá tornado famoso com a publicação do livro Vida de Santo Antão por Santo Atanásio de Alexandria, no século IV. No tempo que passou no deserto, Antão sofreu as famosas tentações, cuja representação mais famosa é o quadro de Hieronymus Bosch (sécs. XV-XVI), que está no Museu de Arte Antiga, em Lisboa.


Como se vê, as tentações são de natureza ora social, ora pessoal, ora transcendente, psicológica, quase visões de sonho, o que levou os surrealistas (já no século XX) a considerarem Bosch como um dos seus percursores.

Em contraste, há um quadro de Cézanne, no Museu de Orsay, em Paris, com o mesmo título, mas com uma representação pictórica completamente diferente.


Aqui a tentação é muito menos imaginativa, e muito mais previsível: o demónio apresenta uma mulher, que se despe, a Santo Antão, e este refugia-se, em defesa.

Quanto a mim, aqui é Bosch que percebe melhor a natureza das tentações, e que lhe dá a dimensão devida: não estritamente sexual (coisa que agora está muito na moda, ver a sexualidade como a fonte principal de tentações), mas envolvendo todo o espírito da pessoa, e toda a vida social da época, de uma forma muito mais englobante.
Cliquem nas imagens para verem em maior.

18.11.03

Recordações de Paris, 5 

Abelardo e Heloísa
Esta é uma história de amor comparável à de Romeu e Julieta, com a vantagem de esta ser verdadeira. Abelardo era um filósofo e teologo importante do século XII, e Heloísa uma mulher instruída que se tornou sua aluna. Apesar da diferença de idade de mais de 20 anos, apaixonaram-se e ela ficou grávida. O tio dela, não gostando do assunto, decidiu deixá-la na abadia onde ela se tinha refugiado durante a gravidez, e mandar castrar Abelardo. Este retira-se para outra abadia, e eles terminam a sua vida escrevendo cartas de amor um ao outro (que são, aliás, literariamente notáveis), sem mais se verem.
Mais detalhes aqui. O túmulo deles está agora no famoso cemitério do Père Lachaise, em Paris.



17.11.03

Sobre o Matrix 

O Paulo Marmé escreveu um longo comentário à trilogia The Matrix no C7nema.net, que aliás recomendo a ler (é só clicar lá atrás). Nesse comentário ele põe em destaque várias referências religiosas que aparecem no filme, que eu não vou repetir aqui. Queria apenas salientar que aquelas que me parecem mais flagrantes são, evidentemente, a presença de um messias, que é um tema comum a várias religiões, e a apresentação da realidade sensorial como uma falsidade, que é um pensamento tipicamente budista. Quanto a mim, estas são as referências religiosas principais, o resto é um pouco decorativo.


Há porém uma ideia, mais filosófica que religiosa, que preside a toda a trilogia: a ideia do livre arbítrio. Os bons são sempre aqueles que tomam livremente as suas decisões, sem que achem que têm que seguir necessariamente uma certa via como a única via possível (mesmo que esta seja a mais sensata, e, aparentemente, a única); e os maus infalivelmente declaram que não há escolhas possíveis, que toda a escolha é bem determinada. Neste último filme, por exemplo, isso acontece com a decisão de Neo de viajar até ao mundo das máquinas, utilizando uma nave que poderia ser preciosa na defesa de Zion, ou na decisão de Niobe de conduzir a sua nave através de caminhos logicamente impraticáveis. Em contraste, no segundo filme, o maléfico Merovíngio farta-se de repetir que tudo é causa e consequência, que tudo é previsível, negando assim a liberdade de escolha. E há a frase, repetida vezes sem conta pelo Agente Smith, "It is inevitable", mais uma vez negando a possibilidade de opções livres. É claro que o momento em que isto é mais patente é o retratado acima, em que Neo decide tomar a pílula vermelha. Esse é o momento fundador de toda a liberdade, aquele que permite tomar todas as futuras decisões, por quebrar com uma ordem estabelecida que se sabe ser falsa.

15.11.03

Recordações de Paris, 4 

A vida de Sto Estêvão em Banda Desenhada. Pois, só que é uma banda desenhada do século XV, e não é em papel, mas em tapeçaria. Está, tal como A Dama do Unicórnio, no Museu da Idade Média, e, infelizmente, não está completamente à disposição na internet... São doze tapeçarias que contam a história (meio inventada) da vida e morte de Sto Estêvão, primeiro mártir cristão, desde a sua escolha pelos discípulos até o seu corpo chegar finalmente a Roma, com imensíssimas peripécias pelo caminho — chamam-lhe a lenda dourada. Esta tapeçaria, a única disponível no site do museu, relata como uma certa dama nobre foi a Jerusalém buscar o corpo do seu marido (provavelmente morto nas cruzadas), e trouxe, por engano, o corpo do santo. Notem coisas típicas da banda desenhada, como os balões de fala. Notem também a presença do diabo, no canto inferior direito a comandar as operações para fazer desaparecer o santo... As restantes tapeçarias podem ser vistas aqui.

14.11.03

Domingo 33 do TC 

Neste Domingo a liturgia (cujas leituras estão aqui e aqui) centra-se na parousia (= advento = visita régia oficial) de Cristo, sobre a qual ele nos manda vigiar e estar preparados porque não sabemos quando será. De qualquer modo, para cada um de nós, pode ser em qualquer instante que nos vamos encontrar com o Senhor.

Passa um pouco desapercebido o belo texto da segunda leitura em que Cristo é apresentado como o sacerdote perfeito. A oferenda que ele apresentou é perfeita: é ele próprio. E agora, que há remissão dos pecados, não há já mais lugar a sacrifícios.

Talvez muitos de nós nos encaremos a nós mesmos como os sacerdotes do Antigo Testamento, que andavam sempre a oferecer, todos os dias, mais sacrifícios pelos pecados. Isso mesmo mostra a sua reduzida eficácia, aos olhos do autor deste texto bíblico. Se esses sacrifícios prestassem para alguma coisa, não era preciso andar sempre a repeti-los! Não assim Cristo: tendo ofereceido um único sacrifício, está já à direita de Deus.

E porque é que nos podemos encarar como os sacerdotes do Antigo Testamento? Nós não andamos, é certo, a oferecer sacrifícios de touros e ovelhas e pombas e farinha e vinho. Mas talvez encaremos assim o sacramento da Reconciliação e a penitência que nele o presbítero (ou bispo) que o celebra nos impõe. É como se precisássemos desse sacrifício para sermos salvos; mas como depois tornamos a pecar, vá de oferecer mais um sacrifício, que é assim que muitos de nós encaramos tal sacramento.

Ora, se as coisas fossem assim, podia-se dizer, como fez o autor deste texto bíblico: se isso da confissão servisse para alguma coisa, então bastava uma só! Do que nos esquecemos é do seguinte: houve um só sacrifício de Cristo, em si perfeito e completo, que basta para perdoar todos os pecados. Ora nós, configurados com Cristo na morte (simbólica, no baptismo; real, quando chegar a nossa morte), também somos novos Cristos. «Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim», diz a leitura breve das Laudes desta sexta (Gálatas 2, 19-20). E, sendo nós Cristo presente no mundo, participamos da sua missão, e também da sua missão sacerdotal. Por isso nos incita o papa Pedro I, na sua primeira encíclica, a nós, que somos pedras vivas do templo, a oferecermos sacrifícios a Deus (1 Pedro 2, 5). Mas esses sacrifícios não são já de animais, mas sim espirituais, porque, como Jesus disse, Deus, que é Espírito, deve ser adorado em espírito e verdade (João 4, 23).

E o que é que isto tem a ver com a confissão? A confissão é um reanimar do baptismo em nós. Não é um novo sacrifício. É um recordar e reavivar da nossa configuração com Cristo adquirida pela morte ritual nas águas. Além do mais, não somos nós que pelas nossas obras ganhamos para nós a nossa salvação. Limitamo-nos a ser «cooperadores de Deus», como disseram de si Paulo e Sóstenes (1 Coríntios 3, 9).

Hoje, portanto, preparemo-nos para o advento do nosso mestre associando-nos intimamente ao seu sacrifício, entregando também a nossa vida como sacrifício agradável a Deus. Duarte Valério

13.11.03

Lembranças de Paris, 3 

A moral das tapeçarias. No Museu da Idade Média existe um conjunto de seis tapeçarias chamado A Dama do Unicórnio, tapeçarias que, para além da mensagem que trazem, são esteticamente muito belas.

Em todas as tapeçarias a personagem central, uma dama, aparece rodeada de um leão e um unicórnio, com escudos heráldicos.

As cinco primeiras tapeçarias são referentes aos cinco sentidos, e na sexta, a maior, e aquela em que aparecem mais personagens, a dama está sob uma tenda onde está escrito "A Mon Seul Désir". Nesta tapeçaria, ela está a pôr numa caixa de jóias o colar que ela usa nas cinco tapeçarias anteriores (veja-se a imagem acima).

Há várias interpretações possíveis deste conjunto de tapeçarias, todas mais ou menos parecidas. Por um lado, pode ver-se a mensagem que os prazeres dos sentidos não trazem a salvação, mas sim a renúncia a esses prazeres (simbolizada no colar). Pode também ver-se que a dama renuncia a tudo o que pode ganhar com os sentidos, tendo como único desejo o de dar ou afastar-se das suas riquezas. Pode ainda considerar-se que se trata de uma espécie de sexto sentido, paralelo aos outros cinco, e que permite à dama compreender o que é de facto importante na vida.
Em qualquer um dos casos, julgo que a moral é muito edificante — e mais ainda quando é tão lindamente ilustrada.

11.11.03

Lembranças de Paris, 2 

As relíquias. Bem, eu já sabia que os franceses eram bastante tradicionais na sua religiosidade, mas fiquei espantado com a devoção que têm a uma coisa tão medieval (e cientificamente insustentável) como as relíquias. Por exemplo, em Notre Dame, no dia em que fui visitar, iam expor a verdadeira coroa de espinhos de Cristo, uma coisa que habitualmente só acontece na quaresma. Depois do romance "A Relíquia", do profano Eça de Queirós, acredite quem quiser... Para além disso, havia também a falange de Santa Genoveva, padroeira de Paris (que terá salvo a cidade de ser invadida pelos Hunos pelo poder das suas orações) junto ao seu túmulo. Note-se que na mesma igreja onde este túmulo está colocado, Saint Etienne du Mont, estão também enterrados Pascal e Racine, que nem sequer têm direito a túmulo: há só umas placas nas colunas à entrada do altar mor a indicar o sítio onde foram enterrados.
Cá em Belém também temos pelo menos uma relíquia, um pedaço da verdadeira cruz de Jesus Cristo, que, no tempo do padre Canas (quando havia ainda procissões na quaresma) andou perdido um ano, e quase se tinha que fazer a procissão sem ele (acabou por se encontrar à última da hora). Mas, tanto quanto eu sei, essa ninguém a expunha para adoração... e com razão. No dizer de Miguel Torga, "se se juntassem todos os pedaços da verdadeira cruz de Jesus Cristo, haveria madeira para cinquenta cruzes". Pelo menos.

Domingo 9 de Novembro (2) 

O padre que presidiu à missa onde eu fui disse uma coisa interessante na homilia: relacionou o sangue e a água que sairam do corpo de Cristo quando foi trespassado (segundo S João) com a torrente de água que saía do templo, "do lado direito", na profecia de Ezequiel que era a primeira leitura — identificando assim o templo com o corpo de Cristo. E isto pode explicar, a meu ver, porque é que as representações da ferida de Cristo são sempre do lado direito (como no quadro em baixo), pelo menos até ao princípio do século XX, pois S João nada diz sobre que lado é que foi trespassado.

Lembranças de Paris, 1 


Cristo abençoando
Bellini, 1465-70.
Geralmente, Cristo ressuscitado é representado de uma forma gloriosa — às vezes com um pé em cima do túmulo, ao sair, às vezes com um estandarte. Pois bem, esta é uma imagem de Cristo ressuscitado, pois são bem visíveis as marcas no lado e nas mãos, mas está melancólico enquanto abençoa. É como se, tendo transportado para a sua vida de ressuscitado as chagas da crucifixão, trouxesse também as chagas da traição, do abandono, da injustiça que sofreu, chagas essas que o deixam melancólico.

Além disso, aparece só, sem ninguém a ouvir. Como se, mesmo depois de ressuscitado, ele continue a ser, como João Baptista, uma voz pregando no deserto. É verdade que durante a sua vida ele teve os doze como companhia, mas na pintura ele aparece como estando à procura de novos ouvidos que o ouçam, como missionário solitário.

Carregando na imagem podem ver em maior.

Na blogosfera... 

O blogue Blogo Existo tem um post que me pareceu interessantíssimo sobre o pragmatismo versus o idealismo, aplicado ao mundo do trabalho. Afirma (sustentadamente) que a abolição da escravatura não foi feita em vista de maior rentabilidade, mas, entre outras coisas, da persecução de um ideal, que obrigou de facto a que se produzisse menos. Em tempos como estes, é bom ler coisas que afirmam que é possível seguir caminhos mais ideais e menos pragmáticos — recordo os argumentos a favor da guerra que consideram o idealismo da não-intervenção como um luxo que conservaria a ditadura no Iraque, e que a guerra, não sendo o ideal, acabou por abrir uma janela de oportunidade.
O tal post está aqui.

6.11.03

Domingo 9 de Novembro 

Quando fiz o meu comentário em casa, esperava que este domingo fosse o 31 ou o 32, mas acaba por ser o da dedicação da Basílica de Latrão. O evangelho é o dos vendilhões do templo, e eu não vinha preparado para isto. Sucede que, por coincidência, ando a ler os sermões de Meister Eckhart, e o que eu li ontem era justamente sobre este evangelho. Resumo aqui as suas ideias.

As pessoas que compravam e vendiam estavam lá para vender coisas para o culto (como por exemplo, pombas para serem sacrificadas), não era propriamente um comércio desadequado. Mas Jesus achou que até isso era demais. Fazendo o paralelo, se o nosso corpo é o seu templo, e se somos nós filhos de Deus, então o que Cristo quer é que expulsemos de nós tudo o que é comprar e vender. Por exemplo, que não nos ponhamos a fazer promessas, que é fazer comércio com Deus, pois Deus é livre, e dá-nos aquilo que nos quer dar, independentemente do que nós lhe possamos dar "em troca". Nas coisas do Reino nada se compra, tudo é gratuitamente dado e aceite, como entre Pai e filho, e tudo o que é comércio impede estes dons gratuitos, tal como os vendilhões impediam a entrada no templo.

1.11.03

Todos os Santos 

A Liturgia das Eucaristias de hoje e de amanhã é tão variada que seria difícil comentar tudo. Por isso limito-me a comentar um versículo do Evangelho de hoje (que tanto quanto me lembro até é repetido na antífona da comunhão, bem se vendo que é mesmo importante): "Felizes os que sofrem perseguição por amor da justiça, porque é deles o Reino dos Céus." (Mateus 5, 10).

Vieram-me à ideia imensos casos em que se pode lutar pela justiça. Há dias um amigo meu contou-me que conhecia quem tivesse tido por emprego num supermercado alterar as etiquetas com os prazos de validade dos frangos. Isto até pode merecer-nos um risinho, mas pensemos que a pessoa provavelmente precisava do dinheiro, foi o emprego que conseguiu arranjar. Muitas vezes o mundo põe-nos dilemas destes. Há casos piores, como quando as empresas farmacêuticas fazem o mesmo não com frangos mas com medicamentos. Eu conheço quem tenha tido graves problemas de saúde por causa de uma vacina fora do prazo. A questão da justiça e do que é justo põe-se a todos os níveis, em todas as profissões, a gente de todas as formações. Põe-se num banco com clientes que têm rendimentos ilícitos, ou com a concessão de crédito a pessoas que vão entrar numa espiral. Põe-se numa oficina ou numa loja quanto a fugir ou não aos impostos. Põe-se num restaurante com os cuidados que se tem com a qualidade dos alimentos. E por assim adiante.

É claro que há casos muito diferentes uns dos outros. Uma coisa é fugir aos 19% do IVA numa compra (o que depois deve dar para fugir também ao IRC), outra coisa são fraudes de milhões de euros, ou gerir pessoal sem respeito pelas suas carreiras ou pela condição das pessoas. Mas a questão que se coloca às nossas consciências é sempre a mesma. O mundo é de tal maneira que quem luta (se esforça) pela justiça é sempre perseguido (pelos colegas, pela concorrência, por quem nos diz: não sejas parvo). E lembra-me outra palavra de Jesus: "Servo bom e fiel, já que foste fiel em coisas pequenas, serás administrador de coisas grandes. Entra na alegria do teu Senhor." (Mateus 25, 21 e 23). DV

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