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28.5.04

Pentecostes 

A antífona de entrada do Pentecostes diz-nos que o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (Romanos 5, 5). Às vezes, não parece. Porque nós somos capazes de expulsar o Espírito Santo que habita em nós, se nos fecharmos aos apelos que Deus nos faz no nosso íntimo. Se insistirmos em viver como pessoas sem consciência, sem estrutura, como seres sem princípios, se olharmos apenas para dentro de nós e fecharmos o nosso coração ao resto do mundo, encarando os outros como meros instrumentos ao nosso serviço, essa visão distorcida e egocêntrica do mundo resultará num afastamento cada vez maior do Espírito Santo. E ele irá sendo expulso da nossa alma.

É que de facto Deus habita no nosso coração: se olharmos para dentro de nós, vemos reflexos e marcas muitas pessoas que nos ajudaram, e de muitas pessoas que nos destruíram; vemos certezas, qualidades, medos e inseguranças; virtudes e defeitos; mas no fundo, existe aquela imagem e semelhança de Deus de que fala já o Génesis, e que não é uma mera figura de estilo. João, nas epístolas, garante-nos que um dia seremos iguais a Deus, e a sua semente acha-se já em nós: é essa misteriosa pessoa divina, que, como vento, se não vê, mas sopra onde quer, como disse Jesus a Nicodemos. Sim, no fundo da nossa alma acha-se o Espírito Santo. Mas isso não quer dizer que sejamos nós o nosso próprio Deus: o Espírito Santo acha-se em nós não para nos servirmos a nós próprios mas para servirmos todos os outros, não porque nós não sejamos amados por Deus: somo-lo, que doutro modo não habitaria ele em nós: mas porque Deus ama tudo o que criou e nós sozinhos não alcançaremos a felicidade, que reside nessa misteriosa comunhão dos santos, na comunhão e união com todos os outros que são seres humanos como nós, e com todo o universo que Deus criou por meio do seu Verbo. Porque Deus é ele próprio comunhão, não um ser solitário mas uma trindade de pessoas que partilham uma mesma essência.

O Espírito sopra onde quer, como o vento, disse Jesus e relata-no-lo João. E esse Espírito que é Deus em nós, que o Pai envia e repete no nosso coração tudo o que Jesus ensinou, explicando-no-lo para que se cumpram as palavras dos profetas que afirmaram que nos tempos do Messias ninguém teria de dizer ao seu próximo: conhece o Senhor, porque todos o conheceriam, esse Espírito impele-nos a nos transformarmos à imagem de Cristo com quem fomos configurados no Baptismo. Não que o Espírito aja só nos baptizados: ele renova a face da terra, diziam já os salmos, e, sendo como um sopro, o seu fogo não se limita aos sacramentos que Deus instituiu para nós e para nossa salvação, e não para que pela nossa inacção tolhêssemos a sua acção que é muito maior do que o nosso coração pode conceber. E ao nos tornarmos semelhantes a Cristo, o que faremos? É que essa configuração com Cristo não é uma uniformização, pois o Verbo que estava junto de Deus faz com que cada coisa seja o que foi chamada a ser, não limitando-nos, mas desenvolvendo-nos a uma plenitude que sem ele nunca sonharíamos alcançar. E, como diz a Epístola, há muitas oportunidades diferentes, muitos serviços diferentes, muitas opções, mas todas elas, se verdadeiramente fazem com que os nossos rostos reflitam - como o de Moisés outrora - a glória de Deus, que se revelou em Cristo, então todas provêm do mesmo Espírito, do qual nos não deixa o Pai celestial órfãos.

24.5.04

Notícia 

Parece que na Suiça é habitual haver referendos. Parece que até os fazem dentro da Igreja Católica, calcule-se. e parece que os resultados andam um bocadinho ao lado do que mandam os senhores de Roma... Quanto vale afinal a opinião dos católicos?

Swiss Catholics wish more democracy in the Church

A poll undertaken early in May 2004 and released by the Herbert Haag Foundation for Democracy in the Church (Lucerne) had the following  findings:

90 % of Catholics in Switzerland wish ecumenical Eucharist (6 %
are  opposed to it),

89 % favor optional celibacy (6 % do not)

87 % favor equal rights for women in the church (10 % do not)

94 % wish increasing ecumenical efforts (4 % do not)

76 % ask from the next pope to permit women's ordination (17 % do  not)

70 % ask that divorced have the right to get married in the church (22 % don't)

65 % wish that the local church elects its bishop (22 % don't)

65 % wish stronger interfaith dialogue (31 % don't)

23.5.04

Não sou só eu! 

De vez em quando leio a crónica dominicar no público do Frei Bento Domingues, e de vez em quando acho que devia ser mais cotundente. Ora, hoje, até foi além da minha sensibilidade e das minhas expectativas:

Hoje, depois do fracasso de tantas ilusões do pós-Vaticano II reafirmam-se na Igreja duas grandes tendências, embora com várias ramificações: uma que configura tudo em termos de poder, dentro e fora da Igreja - o poder deve estar nas boas mãos de leigos, padres, bispos selectos; e outra que também não quer saber de questões de justiça e paz, de direitos humanos, de opção preferencial pelos mais pobres, "questões da esquerda", pois o que importa é preencher o grande vazio do nosso tempo com uma espiritualidade não contaminada por questões sociais.

Pode ler-se toda a crónica aqui

Sobre a Concordata 

Aprovou-se este fim-de-semana a revisão da Concordata com a Santa Sé. Se ainda é verdade que a Universidade Católica continua com um estatuto especial, e incompreensível, de receber subsídios estatais sem estar sujeita à tutela do estado, há coisas boas.

As actividades não religiosas dos religiosos passam a pagar impostos (como já acontecia com as pessoas religiosas não católicas), já não é obrigatório pelo protocolo que os bispos estejam nas cerimónias de estado (ainda que possam ser convidados), e deixa de haver capelanias nos hospitais e quartéis (podendo os doentes pedir essa assistência se quiserem). Parece-me muito bem, mas não deixa de dar que pensar.

Em primeiro lugar, já há trinta anos que temos um estado em que a igreja católica não deveria ter um estatuto especial. Porque é que isto teve que demorar todo este tempo?

Em segundo lugar, uma concordata é um acordo entre dois estados - neste caso, Portugal e o Vaticano. Quando será que os líderes católicos seguirão as palavras de Jesus que pediam para não serem como os grandes deste mundo? Quando será que o chefe se estado se tornará simplesmente um símbolo de união espiritual, e um guia atento ao seu povo?

Ascensão de Cristo 

Aquilo que hoje se festeja é simplesmente a ressurreição, que já festejámos no domingo de Páscoa. É errado pensar que Jesus ressurgiu dos mortos, depois ficou uns tempos junto dos apóstolos, em aparições fortuitas, e que depois subiu fisicamente ao céu. Se não fosse por mais nada, esta visão é errada por ser falso falar de tempo e espaço na vida de ressuscitado, o espaço e o tempo são parte da criação, como as árvores ou as minhocas. Este é apenas outro aspecto da realidade da ressurreição: depois da visita e da irrupção do mundo das pessoas, Cristo voltou para o Pai, figurado, como noutras ocasiões, como uma núvem — também no antigo testamento havia a coluna de fogo, também na transfiguração havia a núvem que falava. Ora essa volta foi definitiva, feita de uma só vez, a aparência da ascensão serviu apenas para mostrar claramente aos discípulos que aquele tempo, em que Cristo estava fisicamente com eles, tinha acabado.

Na quinta-feira da ascensão celebra-se também o dia da espiga, o que torna este sentido de volta alegre e jovial para o Pai ainda mais transparente: assim como as flores e as espigas saem da terra e florescem em cores e grãos, também Jesus floresce depois da sua vida terrestre.

Finalmente, a última frase do anjo aponta já para o Pentecostes: "Porque estais a olhar para o céu?". Agora é altura de olhar para a frente, com o Espírito dado por Jesus. Agora Jesus já não está cá fisicamente. Agora é viver da experiência primordial da sua companhia, relembrá-la sempre, e saber que agora o é Espírito que está connosco.

Esta é a minha festa preferida de todo o ano litúrgico, é aquela festa em que o Espírito do Filho nos é dado, e que nos faz plenamente filhos, responsáveis, activos, amados pelo Pai como o próprio Filho é amado: com o amor que é o Espírito Santo.

7.5.04

5º Domingo da Páscoa (C) 

No evangelho deste Domingo, lemos que quando Judas saiu da última ceia Jesus disse: «Agora foi glorificado o Filho do Homem e Deus glorificado nele.» À primeira vista, era o fim que se aproximava: os outros discípulos não desconfiavam, mas Jesus bem sabia o que Judas iria fazer. E essa traição, aos olhos do Senhor, era contudo a glorificação de Deus nele mesmo.

Na nossa vida passamos certamente também por momentos que à primeira vista são o aproximar de um desastre. Devemos então tentar perceber como é que nessas ocasiões isso poderá resultar na glorificação de Deus. É certo que, como Barnabé e Paulo bem avisaram, «temos de sofrer muitas tribulações para entrarmos no Reino de Deus». Claro que seria estúpido pensar que quanto mais tribulações sofrermos então mais perto estamos de entrar no Reino. Há cristãos que parece pensarem assim, e se esforçam por provocar conflitos com os que os rodeiam e não são cristãos, parecendo até que gostam bastante desse confronto. Mas é claro que não é isso que Jesus quer: não devemos deixar de dar testemunho, mesmo quando isso é difícil ou mal visto, mas «se for possível, tanto quanto depender de vós, tende paz com todos os homens» (Romanos 12, 18).

Jesus também diz que «se Deus foi glorificado nele [no filho do Homem, o próprio Jesus], Deus também O glorificará em Si mesmo». E se nós dermos glória a Deus no meio da nossa vida também Deus nos glorificará e alcancaremos a cidade santa de que João nos fala na leitura do Apocalipse, em que o próprio Deus nos enxugará as lágrimas dos olhos.

6.5.04

Mulheres no Vaticano 

O que publico a seguir é um recorte de uma notícia que me foi enviada pelo movimento internacional Nós Somos Igreja, e que diz respeito ao progresso das mulheres no governo da Igreja Católica. A meu ver, ainda estamos loooonge do desejável, mas pelo menos isto já é um passo na boa direcção.

A religiosa salesiana ENRICA ROSANNA, de 66 anos, professora universitária de Sociologia da Religião, foi nomeada por João Paulo II para um posto executivo no topo da Cúria Romana, para Subsecretária da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, que é como quem diz em linguagem corrente, tem a cargo tudo o que diz respeito às freiras e aos frades.

A notícia difundida a  25 de Abril, é uma revolução, com R grande!

No centro do poder do mundo católico, até agora um lugar exclusivamente reservado à gerontocracia masculina, as mulheres começam a entrar.

4º domingo da Páscoa 

Parece que tanto eu como o Duarte demos em nos atrasar...

Desta vez, vou comentar brevemente a primeira leitura, dos Actos. O último parágrafo é o seguinte.

Mas os judeus,
instigando algumas senhoras piedosas mais distintas
e os homens principais da cidade,
desencadearam uma perseguição contra Paulo e Barnabé
e expulsaram-nos do seu território.
Estes, sacudindo contra eles o pó dos seus pés,
seguiram para Icónio.
Entretanto, os discípulos
estavam cheios de alegria e do Espírito Santo.


Gostaria de chamar a atennção para as pessoas que se uniram para expulsar os apóstolos, sob instigação dos judeus: as senhoras piedosas e os homens principais. Hoje diríamos se calhar as beatas e as pessoas de bem. Só que hoje, parece que estes estão do lado dos discípulos.

Aqui, podemos interpretar a coisa de duas maneiras. Ou vemos que o Cristianismo conseguiu converter a sociedade, e até essas pessoas mais conservadoras mudaram de opinião; ou então que o Cristianismo, enquanto força motriz de mudança e de convite à conversão foi domesticado por essas senhoras piedosas e esses homens importantes, tornando-se então a religião do sistema, a nova ordem religiosa.
O problema com a segunda versão é que o Espírito Santo, da última frase da leitura, o Espírito do qual estavam cheios os discípulos, a ponto de, no Pentecostes, pensarem que estavam bêbedos, esse Espírito não se coaduna muito com sistemas estabelecidos. E se assim é, algo de muito importante se perdeu.

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