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31.12.04

Poemas de Ano Novo 

Aqui ficam dois poemas de dois discos que tive no Natal. O primeiro é um hino à vida,o segundo uma oração. A todos os leitores do Nicodemos desejo que sintam a vida em si a latejar mais forte no novo ano.



Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar

Ver-te sorrir eu nunca te vi
E a cantar, eu nunca te ouvi
Será de ti ou pensas que tens que ser assim?...

Olha que a vida não, não é nem deve ser
Como um castigo que tu terás que viver.

Muda de vida se tu não vives satisfeito
Muda de vida, estás sempre a tempo de mudar
Muda de vida, não deves viver contrafeito
Muda de vida, se há vida em ti a latejar.


    António Variações

Take these shoes
Click clacking down some dead end street
Take these shoes and make them fit.

Take this shirt
Polyester white trash made in nowhere
Take this shirt and make it clean, clean.

Take this soul
Stranded in some skin and bones
Take this soul and make it sing, sing.

Yahweh, Yahweh
Always pain before a child is born
Yahweh, Yahweh
Still I’m waiting for the dawn.

Take these hands
Teach them how to carry
Take these hands, don’t make a fist, no.

Take this mouth
So quick to criticise
Take this mouth, give it a kiss.

Yahweh, Yahweh
Always pain before a child is born
Yahweh, Yahweh
Still I’m waiting for the dawn.

Still waiting for the dawn
The sun is coming up
The sun is coming up on the ocean
This love is like a drop in the ocean
This love is like a drop in the ocean.

Take this city
A city should be shining on the hill
Take this city if it be your will.

What no man can own, no man can take
Take this heart
Take this heart
Take this heart
And make it break.


    U2

Santa Maria, Mãe de Deus 

Uma semana depois do Natal, isto é, na oitava do Natal, celebra-se desde há poucas décadas a solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus. Ao afirmarmos que a mãe de Jesus é mãe de Deus não dizemos evidentemente que foi ela que gerou Deus no sentido de que Deus não existia anteriormente; o que confessamos é que Jesus, o seu Filho, é verdadeiramente Deus, como dizia João no evangelho do dia de Natal: «A Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer.» (João 1, 18)

Dantes celebrava-se neste dia a circuncisão de Jesus: sendo um menino, foi circuncidado, como todos os judeus, ao ter uma semana de idade. Para além do simbolismo de ter sido a primeira vez que derramou o seu sangue, tal acontecimento (que se lê, ainda hoje, no último versículo do Evangelho deste dia, tirado de Mateus) mostra-nos Jesus sujeito à lei de Moisés, membro de um povo em tudo igual aos seus irmãos. Jesus era judeu e foi o Messias aos judeus prometido nas Escrituras, a cuja autoridade sempre se submeteu: «Não penseis que vim abolir a Lei e os profetas. Eu não vim aboli-los, mas sim levá-los à perfeição.» - Mateus 5, 17

Ocorre-me o pensamento de que tal como Jesus foi um membro exemplar do seu povo também nós devemos ser membros exemplares quer do povo novo que constituímos enquanto Igreja quer dos povos de entre os quais somos chamados (Mateus 28, 19), assumindo os nossos direitos e deveres na sociedade. - Romanos 13


30.12.04

Haiku Tai Zé 

Tai Zé,
Tai Chi e Zé Povinho:
Uma mistura inusitada.


Sagrada Família 

Hoje a história é centrada já não no menino, mas na família, e de como esta foi, para ele, o núcleo que lhe permitiu, mais do que crescer, sobreviver. Esta família, como muitas outras (nomeadamente, também as da mesma região geográfica) teve que sair de sua casa, como refugiados, para conseguirem escapar à fúria sanguinária de Herodes.

Deixo-vos com um magnífico poema, que diz mais do que eu seria capaz, sobre o menino, a perseguição e a salvação: o poema História Antiga, de Miguel Torga.


22.12.04

Mensagem do Papa para o dia mundial da Paz 

O Papa publicou, como é habitual, uma mensagem para o dia mundial da paz, 1 de Janeiro. Cito-a extensamente porque me parece que o texto é muito explícito em certos pontos, como quando diz

O drama da pobreza está estreitamente ligado também com a questão da dívida externa dos países pobres. Não obstante os significativos progressos alcançados até agora, a questão ainda não encontrou uma solução adequada. Transcorreram quinze anos desde quando chamei a atenção da opinião pública para o facto de que a dívida externa dos países pobres «está ligada de maneira estreita com um grande número de outros problemas, tais como o do investimento estrangeiro, do justo funcionamento das maiores organizações internacionais, do preço das matérias primas, e assim por diante». Os recentes mecanismos para a redução das dívidas, mais preocupados com as exigências dos pobres, melhoraram sem dúvida a qualidade do crescimento económico. Mas este, por uma série de factores, é ainda quantitativamente insuficiente para se alcançarem os objectivos estabelecidos ao início do milénio. Os países pobres permanecem prisioneiros de um círculo vicioso: as baixas rendas e o lento crescimento limitam a poupança e, por sua vez, os fracos investimentos e o uso ineficaz da poupança não favorecem o crescimento.

Como afirmou o Papa Paulo VI e eu mesmo reiterei, o único remédio realmente eficaz que permite aos Estados enfrentarem a dramática questão da pobreza é fornecer-lhes os recursos necessários mediante financiamentos externos — públicos e privados — concedidos em condições acessíveis, no quadro de relações comerciais internacionais equitativamente reguladas [...]

Possam os povos africanos encarregar-se como protagonistas do seu próprio destino e desenvolvimento cultural, civil, social e económico! Cesse a África de ser apenas objecto de assistência, para se tornar sujeito responsável de decididos e produtivos intercâmbios! Para se alcançarem tais objectivos, é necessária uma nova cultura política, especialmente no âmbito da cooperação internacional.


No entanto, ao falar dos bens públicos, e da sua universalidade, apesenta como exemplos o sistema judicial, o sistema de defesa, a rede viária por estrada ou caminho-de-ferro, e mais tarde, nos interesses comuns, volta a falar na segurança, acoplando-a à paz, deixando outros exemplos de parte, o que não contribui para acalmar o frenesim securitário que dá azo a tanto abuso hoje em dia.

Mas a verdade é que, mesmo com essas limitações, o texto é bastante explícito. Desta vez, JPII esteve bem.


Natal do Senhor 

Na epístola da missa do dia de Natal lemos que Deus, tendo falado muitas vezes e de muitas maneiras pelos profetas, agora nos fala por meio de seu Filho. É verdade que continua a falar-nos por meio dos profetas: se assim não fosse, nem leríamos profecias na Missa e na Liturgia das Horas. E quanto aos muitos modos, Deus fala-nos decerto de modo ímpar pelo texto da Bíblia, mas logo neste se vê que Deus comunicou por meio dos profetas não apenas através de discursos mas também de acções simbólicas, de atitudes dos profetas face a circunstâncias adversas, de acontecimentos cujo significado por vezes não era logo claro mas depois se veio a ver serem uma mensagem de Deus: tudo isso vem relatado no texto das Escrituras. O mesmo sucede hoje: Deus fala-nos pela Bíblia, sim, e sem dúvida que a Palavra escrita é uma dádiva inigualável, mas os profetas hoje falam-nos também não só por discursos mas por acções, por maneiras de ser, por acontecimentos do mundo.

Também não devemos pensar que profetas fossem só aqueles cujos livros se acham no Antigo Testamento. Este mesmo nos fala de muitos mais, uns pelo nome, outros genericamente (2 Crónicas 36, 15-16). No Novo Testamento surgem outros profetas, uma vez mais uns pelo nome, outros genericamente (Âctos 15, 32). Nem pensemos que só entre judeus e cristãos houve e há profetas: «o Espírito sopra onde quer», disse Jesus, e triste Espírito Santo seria esse com uma acção tão limitada e sectária. Profetas houve-os e há-os em todos os lados, mesmo que os não reconheçamos, e mesmo que uns (como outros no Antigo Testamento também) não digam exactamente o que o Senhor lhes manda.

Mas o que não podemos é esquecer-nos que Deus hoje nos fala por meio de seu Filho, «o herdeiro de tudo, por quem criou o Universo». A sua voz, ouvimo-la nos Evangelhos, nas Escrituras; vemo-lo no seu corpo místico, a Igreja dos seus discípulos, cuja cabeça é o próprio Cristo; e vemo-lo no seu corpo social, nos pobres, nos desprezados e marginalizados, com quem ele passou a sua vida, e com quem se identificou. E se ouvirmos profetas que nos anunciam o contrário do que ele disse, saberemos que são aqueles de quem Jesus falou: «surgirão falsos profetas» (Mateus 24, 24). Pelo contrário, os verdadeiros profetas cumprem em si o que disse o presbítero João na epístola do dia da sua festa (27 de Dezembro): «o que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com os nossos olhos, o que contemplámos, o que as nossas mãos tocaram, acerca do Verbo da Vida, ... o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que estejais também em comunhão connosco; e a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho, Jesus Cristo» (1 João 1, 1.3).


21.12.04

A propósito deste último post do Pedro, recordo-me de ter lido um texto dum judeu, que pretendia provar que Jesus não é o Messias anunciado no Antigo Testamento, onde ele dizia que, se Jesus foi gerado sem intervenção de José, então não é da tribo de Judá, a tribo da qual deve descender o Messias, visto que Deus não é da tribo de Judá... Alguns cristãos argumentam que sendo Jesus adoptado por José passou a ser considerado da sua tribo, mas o tal judeu contrapõe que a lei de Moisés não prevê mudanças de tribo por motivo de adopção.

A perspectiva é demasiado legalista, mas dá para pensar...


4º domingo do Advento 

É neste domingo que se lê a famosa descrição da concepção de Jesus, sem intervenção de José, que tem que ser esclarecido por um anjo da situação embaraçosa de Maria, de se ver grávida sem que o seu futuro marido tenha sido consultado a esse respeito.

A primeira coisa a dizer aqui é que a leitura que se lê é de S. Mateus, cuja primeira intenção é de afirmar que Cristo é aquele que as escrituras anunciam, uma vez que escreve para um público essencialmente judeu. E na primeira leitura, de Isaías, fala-se exactamente de um messias concebido de uma "virgem" (ainda que a tradução mais fiel seja "jovem mulher"). Portanto, em Mateus, todo o episódio da concepção de Jesus pode ser visto, em parte, como um esforço para ser fiel à tradição judaica, e mostrar que é nessa tradição que Jesus se enquadra.

Assim, julgo que todo o episódio deve ser lido em primeiro lugar na sua claríssima vertente simbólica, que afirma que este não é um homem como outro qualquer — este é o prometido, aquele de quem falavam as escrituras, o Filho de Deus, que é Deus também, segunda pessoa da Trindade, o messias salvador, e que deve ser acolhido e entendido como tal. E já agora, este é um dos pontos de discórdia entre Judeus e Cristãos, sem falar em questões de fisiologia do nascimento. Aqui, penso que teremos muito mais a ganhar olhando para o episódio simbolicamente do que fisiologicamente.


15.12.04

Motivos para o aborto 

Basta abrir um jornal nas páginas dos classificados para se encontrar anúncios a clínicas de abortos em Espanha. Nesse país o aborto é tão proibido como cá, mas essas clínicas aproveitam-se da cláusula da legislação que permite (cá como lá) o aborto se a gravidez puser em risco a saúde física ou psíquica da mulher. Ora em Espanha mulher que vá a uma clínica de abortos é sempre considerada em risco de sofrer danos psíquicos. Trata-se de um subterfúgio desonesto, e a Ordem dos Médicos (portuguesa) está para aprovar um parecer onde se opina que tais riscos de danos psíquicos só raramente ocorrem (notícia do Público). Sendo previsível que brevemente se tente alterar a legislação portuguesa sobre este assunto de importância moral muito grande, é bom que os cristãos se mantenham informados.


9.12.04

3º Domingo Advento (A) 

Na segunda leitura deste domingo, Tiago exorta-nos a termos paciência e esperar pela vinda do Senhor. Já aqui escrevi várias vezes sobre muitos que, não a tendo, se enganaram a si próprios e a outros argumentando que o «fim do mundo» estava próximo, e, pelo menos até agora, a única coisa que conseguiram foi desiludir-se. Por isso falarei um pouco mais da última frase, do conselho: «tomem como exemplo de paciência e de perseverança os profetas que falaram em nome do Senhor». É que quando lemos o que o Antigo Testamento narra podemos achar esse um exemplo pouco atraente. Miqueias foi posto na cadeia por recomendar a paz quando Judá e Israel tinham feito uma coligação militar para atacarem a Síria - 1 Reis 22; 2 Crónicas 18. Jeremias foi posto num poço seco para morrer por também aconselhar a paz - Jeremias 38. Depois, nos tempos do governador Godolias, foi raptado e levado à força para o Egipto - Jeremias 43. Consta que o ímpio rei Manassés tinha antes mandado serrar Isaías ao meio - Hebreus 13, 37. Aliás, toda essa passagem de Hebreus (13, 35-37) nos mostra uma sorte pouco atraente para esses profetas (como já tinha dito Jesus na parábola do Senhor da vinha que vai enviando servos aos maus vinhateiros: «mataram a uns e feriram a outros» - Marcos 12, 5), e pouca consolação talvez nos traga saber que «o mundo não era digno deles»...


Mas Tiago chama-nos a isso mesmo, a sermos testemunhas como Jesus foi testemunha. Ele fez ouvir os surdos, ver os cegos, andar os coxos; e isto em mais que um sentido. Mas lá diz o ditado que «o pior cego é o que não quer ver» e no tempo de Jesus houve cegos que não quiseram ver e surdos que não quiseram ouvir, como já tinha profetizado Isaías - Isaías 6; João 12, 37-43. Nós, discípulos de um mestre que não recuou perante as dificuldades, e não ocultou o nome de Deus aos seus irmãos, devemos também manter-nos firmes e em todas as situações agir segundo o que é justo e honesto e não meramente em função de comodidades egoístas de curto prazo.


E de vez em quando há alguns que têm sorte... Foi o caso de Natã, profeta da corte do rei David, que, correndo graves riscos de ser considerado ingrato para quem o sustentava, foi censurar o rei, que tinha acabado de mandar matar um homem para lhe ficar com a mulher com quem tinha cometido adultério. Não só não foi mandado matar, como David se arrependeu - 2 Samuel 12. Lá dizia Jesus da semente lançada à terra: uma foi comida pelos pássaros, outra afogada pelos espinhos, outra ficou entre as pedras, e outra deu fruto...


Imaculada Conceição 

A propósito desta solenidade lembra-me ter lido um belo livro em que se censuravam os que pretendiam desculpar-se de não serem santos como santa foi a Mãe de Deus, dizendo: ah, ela foi concebida sem pecado! Dizia o autor: pois sim, e o que é que isso quer dizer? Que quando nasceu já não tinha o pecado original. E tu? Tu perdeste-o uns dias depois de nascer, no baptismo. Por isso todos podemos e devemos, como ela, gerar a Cristo com a nossa vida. - Lucas 11, 27-28


7.12.04

Jesuítas e justiça social 

O seguinte texto foi tirado de uma notícia de um congresso de Jesuítas acerca da acção social no Equador.


During the workshops, guided by Fr Fernando Ponce SJ, the Province coordinator of the social apostolate and accompanied by Fr Fernando Franco SJ, Secretary of Social Justice, the participants were invited to discuss and reflect upon their identification with the characteristics of a social work inspired by the Society. While working "for the poor" or "in favour" of the poor must be one of the elements of all our ministries, Fr Franco stressed that the Social Apostolate is characterised by a specific charism of working "with the poor" and in some cases living "like the poor" (living in insertion-communities). More concretely, working with the poor entails a set of characteristics marking our daily action: looking at problems and solutions from the perspective of the poor; considering the poor to be not object but subjects of their own destiny; assuming a global perspective in our local insertion; always aiming at structural changes; and working as a team in close collaboration with lay women and men.


Talvez os nossos leitores brasileiros (que são os mais numerosos) já saibam bem isto, mas cá na Europa, não é imediato...


6.12.04

2º domingo do Advento 

Tal como no domingo passado, como o Duarte notou, há um sentido de urgência na leitura do evangelho, com o Reino dos Céus à porta e o machado apontado à raiz da árvore. Faz lembrar outra leitura (2 Cor 6, 2), que diz "Este é o tempo favorável, este é o dia da salvação". Para a gente se salvar, não é amanhã, nem ontem. É agora. Ora, isto não nos pode impelir a viver o dia-a-dia em stress, como se tivéssemos que fazer o trabalho que nos compete e o que não nos compete (mas que os outros não fazem), como se o mundo dependesse da nossa actividade. Isto diz-nos que cada dia tem uma importância própria, um peso proporcional aos seus minutos, e que o que nele decorre não é esquecido nem indiferente: é aqui que se joga a nossa salvação e a dos que estão junto de nós.

Finalmente, note-se a diferença entre a salvação proposta por João e aquela proposta por Cristo. Com João, há o convite ao arrependimento, à penitência; com Jesus, há a promessa do reino, da abundância, do enxugar de todas as lágrimas. Comparando com outras mitologias, João é a personagem aquática e sombria, Jesus a personagem solar e luminosa. João é o precursor, mas a promessa de Cristo é que mostra o verdadeiro sentido das propostas de João: é para chegar à felicidade que passamos pela penitência.


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